Mais uma vez, a educação brasileira é achincalhada e a formação dos novos profissionais se torna comprometida com a adoção de uma espécie de “aprovação automática” pela Universidade Estácio de Sá, que após a fusão/compra com a empresa Kroton, tornando-se a maior do mundo.
Por ser em grande parte patrocinada pelo Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e pelo Programa Universidade para Todos (Prouni), a universidade optou por utilizar o método de prova pela internet em um curso presencial de Administração, o que, com certeza, deve acontecer em outros cursos também. Essa iniciativa visa, única e exclusivamente, garantir a não evasão dos alunos dos cursos, já que o pagamento através desses programas é garantido, é certo. O fluxo de caixa é contínuo e inequívoco. Mais uma vez, o ensino é superado pela pedagogia da planilha, pela venda de matrícula. Um verdadeiro supermercado do ensino.
Mas o que o CRA-RJ tem a ver com tudo isso? É uma questão óbvia! A qualidade do profissional que estará no mercado será inferior. Não será o bom profissional, o profissional qualificado, com boas referências e o que refletirá no trabalho junto às empresas públicas e privadas. Dessa forma, a fiscalização, que é a atividade fim deste Conselho, será também prejudicada.
Porém, mais do que tudo, é uma questão de cidadania trazermos à tona esse tipo de questão, já que estão sendo lesados coordenadores, profissionais, alunos, futuros empregadores e todos os envolvidos de alguma forma nesse contexto.
No que tange aos professores, que são obrigados (sim, obrigados porque precisam daquele emprego para levar o sustento às suas famílias) a aprovar um aluno que fez prova pela internet, sabe-se lá se foi o próprio aluno, o que nos leva a outra questão que será tratada mais tarde, ou aprovar um aluno que fez AV1, AV2, AV3 e tem a chance de fazer a AV4 porque conseguiu o milagre de conseguir tirar 2 em alguma delas. O que falar para eles? Os professores de Administração são transformadores das organizações, vale dizer, da sociedade. Toda organização tem os seus formadores do poder ideológico, que marca o seu destino, conforma a sua existência, dá rumo e sentido, direção e norte à sua caminhada, à forma como se integra e se relaciona em sociedade, à maneira como trata os seus empregados, relaciona-se com seus circunstantes – fornecedores, competidores, autoridades governamentais e o público em geral. Mas, poderemos cobrar isso desses professores que terão essas obrigações? Nunca.
O próprio aluno sente-se incapacitado, o próprio aluno sente-se diminuído, por si só e pela faculdade. Conto-lhes aqui o caso de uma aluna que conheço que decidiu sair da faculdade ao tomar conhecimentos dessas arbitrariedades. Disse-me ela: o que esperar desse curso? O que esperar desse diploma? Tenho medo do que ainda possa acontecer. De piorar ainda mais. Transferiu-se para a Candido Mendes.
E para esse aluno ainda é aberto um novo caminho de dúvidas, já que a cada três anos o curso de Administração é um dos que são obrigados a realizar o Enade. Qual o abalizamento que o corpo discente terá para fazer a prova? Haverá conteúdo? Haverá conhecimento? Lamentavelmente, há muito os alunos não leem os clássicos escritos pelos fundadores da Ciência da Administração, de Taylor a Drucker, de Ford a Mintzberg, de Guerreiro Ramos a McGregor, e por aí vai; isso sem falar em inexcedíveis obras de outras disciplinas, como Economia e Sociologia que também têm, por exemplo, em Adam Smith e Max Weber respectivamente, ensinamentos que contribuem para configurar o pensamento administrativo. Mas, nesse andar da carruagem, a situação tenderá a se tornar cada vez pior e suscitará novos e, infelizmente, retrógradas necessidades, como os exames de suficiência.
Esses exames nunca foram benéficos para medir o conhecimento específico de nenhum profissional, todos sabem disso. No entanto, com a avacalhação que está acontecendo no ensino da Administração, pode ser que venha a se tornar realidade em um tempo mais curto do que pensávamos. Pois, com aprovação automática, provas pela internet, quarta prova para quem consegue a gigantesca nota 2… sim, os exames de suficiência já não parecem tão insólitos assim. Serão novos empregos para avaliadores. Professores para fazer as provas. No entanto, também haverá um novo mercado negro, como o que já existe de trabalho, monografias e TCCs, para quem quiser fazer as provas pelos alunos na internet! Mais um problema sério a ser resolvido, avaliado e combatido.
É preciso que a profissão como um todo, profissionais, professores e estudantes, indignem-se com a supermercadismo que a educação que se tornou. É preciso encararmos com seriedade a questão. O futuro da profissão está nas mãos desses alunos, desta que empresa com tantos tentáculos para alcançar tantos lugares, mas o pedestal mais importante, o da educação de qualidade, do esforço contínuo do aluno, ainda está inalcançado. Precisamos neste contexto didático-pedagógico, em que o MEC efetivamente abdica do desempenho de papéis e funções objetivas de controle de qualidade dos resultados dos cursos de formação profissional para privilegiar um foco de auditoria nitidamente burocrática do tipo “pra inglês ver”, os alunos pagam não só o preço financeiro das mensalidades, mas também a elevada carga da iniquidade social do desemprego, da precarização da ocupação profissional, da baixa empregabilidade, do aviltamento salarial, da frustração e da decepção existenciais, da baixa mobilidade social, que deveria ser produzida pela ascensão a níveis educacionais superiores.
Todo esse contexto de iniquidades resulta na formação massiva de legiões de profissionais diplomados desqualificados, portanto, incapacitados para o exercício profissional.
Questões como as ora suscitadas não podem ficar restritas a colóquios reservados de especialistas, como se não existissem de fato. É preciso aterrissar no país real, discutir os verdadeiros obstáculos que atravancam uma formação de qualidade do profissional de Administração. É preciso mostrar que a qualificação do ensino do futuro profissional é o mais importante bem das instituições de ensino superior, dos próprios alunos, das organizações e, principalmente, da sociedade.
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