De Wagner Siqueira*

 

      As empresas crescentemente impõem aos seus membros custos inavaliáveis de perda da convivência em família. Não só as viagens longas e frequentes, mas o trabalho levado para casa ou as convocações à intervenção imediata para resolver crises de última hora sequestram todo o tempo e sugam toda a energia. A ditadura da urgência está sempre presente nas mensagens dos smartphones, dos laptops ou dos telefones celulares. Toda uma parafernália de equipamentos para contato imediato, a qualquer tempo e em todo lugar, é posta à disposição dos empregados. Esses equipamentos são sempre cedidos pela área de recursos humanos sob o pretexto de concessão de benefícios extrassalariais, os que justamente fazem a diferença da organização no mercado de salários.

Tamanha sucção de tempo e de energia termina por provocar a desconstrução dos laços familiares, com o abandono da atenção ao cônjuge e aos filhos, já que as prioridades acabam por se subordinar aos imperativos da organização.

A flexibilidade e a mobilidade praticadas pelas organizações tornam fugazes e superficiais as relações entre as pessoas. Como todos estão sempre à disposição da empresa para servir em quaisquer recantos do globo por algum tempo, as amizades são feitas e desfeitas. As pessoas não têm amigos, mas instantes de amizade. Conectados permanentemente em rede, buscam na frieza das comunicações eletrônicas a compensação e a sublimação psicológicas para a ausência do contato pessoal amigo, da palavra fraterna e do gesto de solidariedade nos momentos de alegria e de dor, para o compartilhar das vivências a que todos os seres humanos são submetidos na trajetória de suas existências. Compartilham virtualmente experiências emocionais que somente o contato físico pode propiciar. Até relações sexuais à distância são cada vez mais comuns. A masturbação individual solitária substitui a maior expressão humana de comunicação: o contato íntimo de dois seres humanos em orgasmo num ato de amor.

Quando se transfere à vida familiar a inexistência do longo prazo nas relações de trabalho, significa estar sempre prestes a mudar, estabelecer laços superficiais com os vizinhos, não se comprometer e não se envolver em seus problemas. Como falar para os filhos em compromissos mútuos, solidariedade e relações estáveis entre pessoas quando as vidas dos pais não traduzem essa realidade?

A terceirização igualmente contribui para as relações fugazes nas organizações. Cada vez mais se descentraliza a execução de tarefas e atividades a pequenas firmas ou a contratos individuais de curto prazo para realizar temporariamente o que era antes executado de forma permanente por empregados estáveis. Não é à toa que hoje no Brasil, para não dizer em todo mundo, o setor da força de trabalho que mais cresce é o das pessoas que trabalham para agências de mão-de-obra temporária.

A moderna estrutura das organizações assumiu as relações de trabalho a curto prazo, eventual ou episódico, transformando todos em descartáveis. Não há mais trabalho de longo prazo. Tudo é descartável: o planejamento de carreira que pretendia o avanço profissional de alguém pouco a pouco nos diferentes espaços hierárquicos de uma ou duas organizações, a utilização de um conjunto de competências lenta e arduamente adquiridas ao longo de uma vida de dedicação a um mesmo campo de atividades. Hoje, o profissional muda inúmeras vezes de emprego, adquire e troca de aptidões outras tantas. Todo esse processo permanente de instabilidade altera profundamente o próprio sentido do trabalho, que antes pressupunha solidariedade, cooperação e confiança mútua, isto é, complexos éticos de interação humana que somente podem ser construídos a longo prazo pela convivência estreita do cotidiano e pelas relações permanentes.

*wagner siqueira é conselheiro federal do CRA-RJ junto ao CFA e diretor geral da universidade corporativa do administrador UCAdm. É autor do livro Estratégias de Intervenção em Consultoria de Organização, 2021, AMAZON e As Organizações São Morais? pela QualityMark, em 2016.

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