A educação de executivos vale-se crescentemente de consultores criteriosamente selecionados para, através de palestras e seminários, workshops e congressos, desempenhar o papel de pregoeiros das Boas Novas, inoculando sub-repticiamente nos participantes o vírus contaminado da doutrina da entrega integral à organização.
Há dois estilos preferenciais de consultores que se destacam no desempenho desse papel:
a) aqueles que buscam identificar líderes salvacionistas ou messiânicos das organizações, ou exaltar exemplos de sucesso extraordinário de pessoas comuns do cotidiano, ou que sejam resultantes de imagens mitificadas por grande exposição de mídia em decorrência das atividades profissionais que exerçam em áreas as mais distintas, como esportivas, artísticas culturais, científicas e sociais;
b) os que fazem de suas palestras e conferências sessões de entretenimento e lazer, verdadeiros artistas de shows teatrais e circenses. São os consultores-espetáculo.
Como se explica o fascínio exercido sobre multidões de executivos embevecidos nesses eventos e por uma vasta literatura de sátira organizacional ou de autoajuda sobre como todos devem se comportar na busca do sucesso? Será sinal de fraqueza ou de sadomasoquismo dos executivos, que parecem aceitar e derivar satisfação psicológica do deboche e da gozação da forma como se comportam em suas empresas? Será a expressão de desalento do cidadão comum contra a desumanização das corporações? Será a capitulação às culturas organizacionais totalitárias e a busca desesperada de “receitas de bolo” de como todos devam proceder para sobreviverem e mesmo ascenderem na escala hierárquica rumo ao topo do mundo corporativo?
Tais conferencistas e seus livros – as versões globalizadas do “como fazer amigos e influenciar pessoas” – parecem indicar um substrato mediocrizante no nível do saber e do conhecimento crítico das realidades das organizações. Na verdade, o sucesso dessas palestras-espetáculos e da literatura gerencial de autoajuda divertem, porque não atacam profundamente: ficam na “perfumaria”, na superficialidade, e não nos fundamentos conceituais das organizações. São semelhantes aos programas humorísticos de crítica política e social apresentados pela grande mídia – divertem, mas não deixam ninguém intranquilo quanto à manutenção do status quo e do establishment corporativo. Em muitos casos, até legitimam valores, opções éticas, conceitos e comportamentos distorcidos, amplamente praticados no mundo dos negócios, como se fossem da sua própria natureza na busca da realização de seus propósitos.
Esses consultores, com suas mensagens messiânicas e salvacionistas, são os bobos da corte das organizações de hoje. O papel deles é parecer crítico, mas nem tanto, ao mesmo tempo que como pregoeiros das Boas Novas inoculam por mensagens explícitas ou subliminares o corpo da doutrina e os dogmas universais do cultismo organizacional.
Na Idade Média, os bobos da corte, como grande parte dos atuais consultores-espetáculo no mundo da educação em gestão corporativa, restringiam as suas críticas aos “modos e maneiras”, evitando mergulhos de maior profundidade no conteúdo e na substância da realidade social da época. Hoje é a mesma coisa: focalizam-se os efeitos e não as causas, as aparências e não a essência dos males que assolam a organização. Põem-se a serviço da disseminação ideológica, mesmo que admitamos que muitas vezes sequer tenham consciência do papel doutrinador que exercem sobre o público. São verdadeiros clérigos das seitas organizacionais, pregoeiros e portadores de seus valores espirituais, éticos e morais. Vivemos com eles o superficialismo de uma “Idade Média Empresarial”, com todo o seu obscurantismo ideológico-doutrinário.
Não pretendo condenar indistintamente todos os consultores-espetáculo. Aceito-os desde que não preguem a divinização da organização no interesse do poder dominante do grupo corporativo a que servem, e que sejam capazes de reconhecer a ineficácia prática do que propõem, com a cegueira da presunção de que falava Pe. Antônio Vieira, como se estivessem oferecendo a seus clientes “o caminho, a verdade e a vida” da organização.
Ao trabalharem com chavões e clichês, esses consultores – como disse, novos pregoeiros das Boas Novas – são os reis do lugar-comum, o qual exploram oportunisticamente como novidade, “sacação genial” e observação extravagante. Discorrem sobre o óbvio, como se estivessem falando da inusitada descoberta dos mistérios da fé. E o óbvio passa a ser dedicação exclusiva do ser humano, como pessoa, à organização em que trabalha.
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