Precisamos de uma maneira essencialmente nova para proceder à elaboração, execução, controle e avaliação do processo orçamentário. No Brasil o orçamento público não é apenas uma obra de ficção. É bem mais: certamente uma falácia, uma mistificação, e, em muitos casos, um verdadeiro engodo político e administrativo.
Sob a perspectiva política é um poderoso instrumento de limitação da democracia. Pelo lado administrativo é um dos mais relevantes fatores desburocratização da máquina pública; de banalização da função gerencial, isto é, da desqualificação do dirigente público como executivo de programas e tomador de decisões; e, certamente, do desvirtuamento da fixação adequada e da concretização efetiva dos objetivos e metas governamentais.
O Parlamento surgiu ao tempo de João sem Terra exatamente para proceder à aprovação do orçamento. Cansados do arbítrio absolutista dos monarcas, os nobres se reuniram em assembléia parlamentar para conter o rei e aprovar receitas e despesas públicas de que se poderia dispor num determinado período de tempo. A partir de então o Executivo não mais poderia alterar ao seu bel-prazer as fontes de receitas e as definições de despesas. Assim, pode-se dizer que o orçamento é a principal lei votada pelo Parlamento, sua razão-de-ser, a lei de controle de gestão exercida sobre o governante pelos cidadãos representados no Parlamento.
Ora, o orçamento público no Brasil não oferece há décadas nenhuma limitação prática ao governante no exercício de sua discricionariedade para remanejar dotações, extinguir programas e efetivar despesas. A ampla concessão que as Casas Legislativas municipais, estaduais e federal conferem ao Chefe do Executivo para alterar por decreto a composição do orçamento o torna uma mera figura de retórica. A deformação começa pela própria lei de Diretrizes Orçamentárias – possui o mesmo peso hierárquico do próprio Orçamento, o que transforma ambas as votações de aprovação legislativa num jogo de faz-de-conta. Uma altera a outra, portanto nem a Lei de Diretrizes delineia parâmetros para a aprovação, execução e controle orçamentário, nem o orçamento propriamente dito se subordina a quaisquer constrangimentos impostos pelo Poder Legislativo. Sob a quimera de aprovação de emendas pessoais de deputados, o Poder Legislativo rotineiramente abre mão de competências políticas inscritas na Constituição para em troca assegurar ao Executivo quase a totalidade do remanejamento orçamentário. Ou seja: aprova-se o nada, já que tudo, ou quase tudo, pode ser mudado. Assim, as emendas aprovadas em plenário não têm qualquer garantia de execução, já que podem até ser extintas por ato próprio do Chefe do Executivo, através de decretos. As emendas aprovadas tornam-se quando muito em moeda de troca no mercado eleitoral, mas não tem qualquer efetividade prática, se contrárias aos desejos do Executivo ou se o seu autor não for a Palácio negociá-las.
Na sistemática administrativa, deliberadas subestimações de receitas e superestimações de despesas tomam, pelo jogo do remanejamento, o orçamento ainda mais maleável aos interesses circunstanciais dos governantes.
Nos Regimes Parlamentares a não aprovação em tempo hábil da proposta orçamentária ocasiona a derrubada do gabinete e a substituição do governo. Nos EUA, origem do Presidencialismo, o Presidente da República não pode alterar um centavo nas dotações orçamentários sem expressa aprovação do Congresso – obrigatoriamente, o orçamento é a tradução financeira do que o governo irá fazer e a definição das fontes de custeio com as quais conta para financiar investimentos e sustentar despesas .
No Brasil passamos todo o ano de 1994, e o ano de 2003 também, sem sequer dispor de um orçamento aprovado, o que por si só comprova a sua desnecessidade prática. Em qualquer ano sob análise, independente do nível de governo – federal, estadual ou municipal – o orçamento público é de tal forma alterado, ao longo do exercício financeiro, por atos do Chefe do Poder Executivo, que o orçamento executado não é sequer uma caricatura do orçamento aprovado pelo Poder Legislativo.
Sob a perspectiva endógena à burocracia do Executivo, o orçamento é um instrumento de Poder, que transforma o Secretário ou Ministro responsável por sua confecção num virtual “Czar administrativo” ou “primeiro ministro” do governo.
Os dirigentes públicos cuidam mais ao longo do ano da emissão das reservas orçamentárias e das notas de empenho, da obtenção da autorização para os necessários remanejamentos de créditos e de despesas, e da aprovação de créditos suplementares ou de complementação de despesas do que propriamente da realização das suas atividades específicas a que estão incumbidos de realizar como membros do governo. Por exemplo: para se comprar uma tesoura, tido como “material permanente”, tantos são os procedimentos e aprovações indispensáveis que o processamento certamente é muitas vezes mais caro do que o preço do item solicitado. E, não é improvável, que a compra não seja aprovada em última instância de decisão, sob a alegação fartamente justificada de “contenção de despesas”. Portanto, a tentativa de evitar o mau gerenciamento dos dinheiros públicos impossibilita o bom gestor.
Se o dirigente público não gasta todos os seus recursos orçamentários até o fim do ano perde o dinheiro poupado e recebe dotações menores no ano seguinte. Daí a gastança desenfreada dos fins-de¬-exercício.
É sempre bom pedir a mais em todas as dotações, na certeza de que o órgão central de orçamento vai fazer cortes sob a luz exclusiva de seus próprios critérios. A negociação interna do orçamento termina por ser um jogo de forças, de pressão e de prestígio, que nem sempre tem a ver com o verdadeiro interesse público. Por isso, é sempre bom “fazer boa politica com aqueles caras do orçamento”.
Os dirigentes públicos espertos gastam todos os centavos de seus orçamentos, precisando ou não zeram cada uma das dotações disponíveis. Esta é uma das causas de as organizações públicas estarem sempre sem dinheiro: nosso sistema orçamentário premia o desperdício e a esperteza, encoraja a mentalidade irresponsável e leviana no uso dos dinheiros públicos.
Enfim, a alteração conceptual e operativa do processo orçamentário no Brasil poderá contribuir decisivamente para a vitalização da administração pública.
É necessário um orçamento público capaz de:
a) Ser simplificado, objetivo e transparente. E preciso acabar com o calhamaço de números e papéis, desmistificar o instrumento, torná-lo acessível aos leigos, e liberar a burocracia da via-crucis em que se constituem as etapas de elaboração, execução, controle e avaliação orçamentárias.
b) Liberar os dirigentes públicos para a realização de suas missões institucionais.
c) Economizar milhões e milhões em controles e avaliações orçamentárias inócuas, desprovidas de real interesse para a consecução dos objetivos organizacionais.
d) Estimular a criatividade e a inovação gerencial dos dirigentes de linha no uso dos dinheiros públicos, otimizando as taxas de custo/beneficio.
e) Incentivar o dirigente público a poupar recursos e a racionalizar despesas e investimentos.
f) Garantir a voz e a vez do cidadão na formulação e controle de políticas públicas definidas a partir da alocação dos recursos públicos – Orçamento Participativo.
g) Voltar à origem do processo orçamentário, tornando-o um efetivo instrumento de controle de gestão da sociedade sobre o aparelho do Estado.
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Ola, bom dia…gostei do post… vai de encontro à minha noção embrionária do orçamento público, da importância suprema da LRF (nem tão suprema assim)… gostaria de sugestões de trabalho que eu possa fazer, principalmente para implementar no meu município (Cuiabá-MT), sou estudante (Economia/Administraçao) e sinto-me no papel e dever de poder contribuir para o desenvolvimento nessa area na minha cidade….