O escândalo do FGTS e a falência moral corporativa

A notícia veiculada pelo Jornal Nacional (30/09/2025) de que milhões de trabalhadores foram lesados em até R$10 bilhões pela falta de depósitos do FGTS não é apenas uma estatística alarmante. É o sintoma de uma doença grave que corrói as fundações do nosso ambiente de negócios, uma doença chamada indigência da gestão e falência moral de parte do empresariado. É inadmissível, sob qualquer ótica de uma administração responsável, que empresas busquem sustentar suas margens de lucro às custas de um direito sagrado de seus próprios colaboradores.

O que assistimos é um descalabro que expõe a fragilidade no poder coercitivo da Caixa Econômica Federal e de outros agentes públicos. Ora, de que servem as sofisticadas ferramentas de controle se não há uma consequência imediata e severa para o infrator? A fiscalização que apenas notifica e multa com prazos elásticos se torna um mero teatro burocrático, um convite à fraude. As empresas devedoras seguem operando e captando recursos enquanto a poupança forçada do trabalhador, seu alicerce para o futuro, é simplesmente ignorada.

A questão que se impõe é de uma lógica administrativa primária. Que motivação terá um empregado ao descobrir que está sendo lesado pela própria organização para a qual dedica sua força de trabalho? Que engajamento ou comprometimento se pode esperar de alguém que vê seu direito tratado como variável de ajuste no fluxo de caixa do patrão? A resposta é óbvia. Nenhuma.

Empresas que agem dessa maneira revelam uma miopia gerencial assustadora. Denotam não possuir o mínimo de uma política de Gestão de Pessoas. Sacrificar o FGTS do trabalhador não é uma “estratégia de sobrevivência”, mas um atestado de incompetência e um verdadeiro tiro no pé. A produtividade, a inovação e o ambiente de trabalho saudável, pilares de qualquer organização perene, são pulverizados pela quebra do mais fundamental dos elos, o da confiança. Como falar em “vestir a camisa” quando a própria empresa a retira do corpo do seu empregado?

É imperativo que a resposta do Estado evolua de uma postura reativa para uma ação estratégica. Não podemos mais tolerar essa socialização do prejuízo, onde o trabalhador arca com a má gestão alheia. É tempo de impor consequências que de fato atinjam o cerne das operações dessas companhias infratoras.

A solução é clara e precisa ser debatida com urgência. Nenhuma empresa com dívidas ativas de FGTS deveria ter o direito de acessar linhas de crédito ou financiamentos, públicos ou privados. É preciso criar um “cadastro negativo” robusto e de consulta obrigatória para o sistema financeiro. Tais empresas devem ser também sumariamente impedidas de participar de licitações e de firmar negócios com o governo. E por que não condicionar a renovação de certificações de qualidade e selos de responsabilidade socioambiental à comprovação de adimplência com suas obrigações trabalhistas?

A apropriação indébita do FGTS não é um deslize financeiro. É uma afronta à dignidade do trabalho e um ataque direto à estabilidade social. O Conselho Regional de Administração do Rio de Janeiro repudia veementemente essa prática e conclama as autoridades a agirem com o rigor que a situação exige. Ou o Brasil adota uma postura de tolerância zero com a irresponsabilidade corporativa, ou continuaremos a enxugar o gelo, enaltecendo discursos sobre responsabilidade social, propósito e capital humano de um lado, enquanto milhões de trabalhadores têm seu futuro roubado do outro.

 

Adm. Wagner Siqueira

Presidente do CRA-RJ e do Fórum Est. dos Conselhos Profissionais do RJ

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