À semelhança de todo sistema de educacional contemporâneo, o ensino e a prática da administração e da gestão das organizações são baseados nos pressupostos de uma sociedade inteiramente centrada no mercado.
O conhecimento aplicado ao mundo das organizações também está a serviço dessa sociedade de mercado.
Mas, afinal, o que é o mercado? Somos todos nós. Mas essa aparente democracia econômica é tudo, menos eqüitativa.
Como na democracia política, o mercado também tem “donos”.
Uma visão mais atenta à trajetória da humanidade ao longo dos tempos, no entanto, vai nos levar à constatação de que a sociedade de mercado não é necessariamente inarredável. Em verdade, o seu protagonismo é bem recente.
A sociedade de mercado na plenitude em que a vivemos não tem mais do que 250 anos na história. Ela surge, concretamente, a partir da Revolução Industrial. E, mais ainda, não se aplica a todas as formas de atuação humana hoje existente, ou mesmo que já existiram ontem ou que existirão possivelmente no futuro.
A lógica da sociedade centrada no mercado não pode ser aplicada a todas as formas de atuação em a que humanidade se relaciona no seu cotidiano existencial. Portanto, assim também as teorias e as práticas de administração das organizações não podem essencialmente se circunscrever somente a ela.
A teoria das organizações se aplica apenas a um tipo especial de ação do homem em sociedade: a que temos hoje no mundo das organizações empresariais e na mundialização de uma economia de consumo e de crédito.

É preciso que se destaque que em sociedade alguma do passado os negócios, como transações puramente econômicas e comerciais, constituíram a lógica e a razão – de -ser da vida comunitária.
A lógica das relações em comunidade se dava em torno principalmente da religião. Hoje, a dimensão econômica é tão presente que os shopping centers substituem as congregações das igrejas nas reuniões de domingo.
São nesses espaços de consumo que as famílias se reúnem nas áreas de alimentação, pois eles proporcionam os encontros entre amigos e para o lazer e o entretenimento, mas, acima de tudo, para fomentar o aumento do endividamento de todos nas compras a crédito do supérfluo e do desnecessário.
Na atualidade mundial, o mercado se transformou em força modeladora da sociedade como um todo.
Hoje o mercado põe e dispõe em todas as suas formas de expressão: na educação e na cultura, nos esportes e no lazer, na pesquisa e nas suas utilizações práticas, na política e na defesa do meio ambiente. Enfim: em todas as dimensões da vida humana.
É sempre o critério econômico que fixa e determina o padrão da existência humana. E, assim também, como não poderia deixar de ser face à lógica dominante, o mercado determina igualmente a teoria das organizações, o ensino e a prática da administração.
As teorias das organizações se constituem numa ideologia que legitima, em nível empresarial, a sociedade demercado e, portanto, também suas iniqüidades e disfunções. E, até mesmo em especial, as suas funcionalidades.
As teorias das organizações não conseguem compreender a peculiaridades históricas das organizações de caráter econômico. Sequer admitem que possam existir outras espécies de organização social. As teorias de organização só se aplicam às organizações modeladas pela sociedade de mercado. Ignoram que a sociedade de mercado é um arranjo social singular, sem precedentes históricos. Ela, de fato, jamais existiu até o advento da Revolução Industrial.

As teorias das organizações consistem no uso consciente, deliberado, intencional de um conjunto de conceitos e sistemas operacionais cuja finalidade é levar às pessoas a interpretarem e a agirem na realidade organizacional na direção e no sentido que os agentes dominantes do mercado desejam. Elas são essencialmente instrumentais ou funcionais para o mercado. Não são substantivas, mas fundamentalmente adjetivas, complementares e funcionais.
E, assim, a racionalidade instrumental das teorias de organização se torna na racionalidade geral, indistinta, aplicada sempre a quaisquer situações em que se integrem pessoas se relacionando com pessoas, por meio de distintos usos de hierarquia para a consecução de determinados objetivos.

A raiz do caráter enganoso da teoria das organizações está no conceito de racionalidade que a sustenta.
Apresenta-se como substantiva, centrada na ética de convicções, na valorização e dignificação do homem em seus valores permanentes, mas se restringe e se sustenta nos fins calculados, na ética dos resultados, em que sempre os fins justificam os meios.
Certamente vocês me dirão, mas ela funciona, por isso é boa: as organizações progridem e o mundo se desenvolve.
E eu lhes direi: vocês têm razão, as teorias das organizações têm contribuído, de forma relevante, para o sucesso empresarial. Mas, certamente,hoje “o que é certo é o errado, e o que é errado é o certo”, afirma de forma lapidar Guerreiro Ramos em seu texto insuperável “A Nova Ciência das Organizações”.
No contexto das precárias condições em que vivemos no mundo das organizações e no seio da sociedade globalizada, e que ainda vão perdurar por longo tempo, é claro que como racionalidade instrumental, funcional, como ferramenta para a gestão das empresas, a teoria das organizações prestou , presta a ainda prestará bons serviços à sociedade de mercado, arrastando, em contrapartida, simultaneamente suas distorções, iniqüidades e baixo apreço aos elementos permanentes da vida humana. Ela se foca na submissão do homem aos fins calculados pelo mercado, na predominância dos interesses dos acionistas majoritários, na falsa apologia da supremacia do cliente na ação empresarial.

É nesse sentido que se deturpa a avaliação da contribuição da teoria das organizações à elevação da humanização do homem em sociedade.
Decididamente, não se pode confundir o que é útil com o que é verdadeiro. A utilidade é uma noção cheia de ambigüidade ética. Em si mesmo, aquilo que é útil pode servir para ser tanto eticamente correto quanto eticamente errado, mesmo que obtenha por muito tempo resultados.
É preciso que se condene explicitamente qualquer tipo fundamentalista de análise organizacional que identifique o que é hoje existente como eticamente válido e legítimo só por ser existente e por dar resultados.
A contribuição da teoria das organizações prevalecente no mundo do trabalho deve ser mais bem estudada e eticamente qualificada.
Trata-se de equacionar o conflito moral em que se vive no mundo das organizações: a racionalidade formal e instrumental é determinada por expectativas de resultados ou de fins calculados enquanto que a prevalência da racionalidade substantiva se propõe à construção de um mundo melhor, mais humanizado, capaz de levar o ser humano a estágios de evolução nunca alcançados.
É um baita contra senso julgar-se que a organização seja a mesma coisa que uma pessoa, tenha personalidade moral, como um indivíduo isoladamente, possa ser “uma empresa cidadã”, possa ou não ser ética, tenha ou não espiritualidade. Ou que possa existir motivação para a organização inteira. Ou mesmo que possa existir uma mente organizacional coletiva.
Como se pode pretender integrar objetivos pessoais e objetivos organizacionais como se fossem os mesmos?
O máximo que se obtém é realizar uns através dos outros: “uma coisa é uma coisa outra coisa é outra coisa”.
O ser humano é complexo, tem diferentes, diversificadas e mutantes necessidades. Assim, requer variados cenários, e não só um e apenas um na qual se fundamenta exclusivamente a concepção da teoria das organizações : o homem econômico-social centrado simultaneamente na sociedade de mercado e na economia do consumo e do crédito.
O sistema de mercado só atende a limitadas necessidades humanas. E o que é mais limitante: determina comportamentos humanos condicionados por imperativos eminentemente econômicos. Resgata e eterniza Adam Smith, apesar do discurso romântico do humanismo e da espiritualidade empresarial. Romântico mesmo ou essencialmente manipulativo?
As organizações são apenas instrumentos, aparatos ou uma ferramenta. Os indivíduos são os seus senhores: formam, plasmam e deformam as suas realidades.
Se não for assim, as organizações se transformam inelutavelmente em castelos de homens sem alma, instrumentos da opressão humana, do totalitarismo, máquinas de coisificação da existência humana, de subjugação do homem pelo homem.

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