O Brasil envelhece. Esta não é um prognóstico, mas uma constatação demográfica inadiável, cujas consequências ressoam diretamente no coração do nosso pacto social, a Previdência. As projeções do IBGE desenham um futuro de famílias menores e maior expectativa de vida, um salto de 45,5 anos em 1940 para quase 77 anos hoje, além de uma queda drástica na mortalidade infantil. São vitórias civilizatórias que, paradoxalmente, colocam em xeque a sustentabilidade do modelo de seguridade social que conhecemos. Este cenário exige um olhar estratégico e urgente, cabendo aos Administradores e Atuários, com sua capacidade de análise e planejamento, a responsabilidade de antever as crises e desenhar soluções viáveis.
O desafio previdenciário, contudo, não é mais uma via de mão única. Se por um lado a demografia aumenta o número de beneficiários, uma silenciosa revolução no mundo do trabalho corrói a base de quem financia o sistema. O primeiro dilema é o da longevidade. O modelo de repartição, no qual os trabalhadores ativos financiam os aposentados, foi concebido para uma realidade distinta e que não se sustenta mais. A recente reforma da Previdência foi um passo necessário, porém não definitivo. Ignorar a tendência global de aumento da idade para aposentadoria é adiar uma crise anunciada.
Um segundo dilema, talvez mais complexo e disruptivo, impõe-se com a transformação das relações de trabalho. A figura do empregado com carteira assinada, pilar da arrecadação, perde protagonismo para uma nova geração que almeja o empreendedorismo ou é levada para a chamada “Gig Economy”. Esse fenômeno esvazia o caixa da Previdência e representa um duplo risco, com o desfinanciamento do sistema no presente e a criação de um futuro idoso sem proteção social. Nesse contexto, a ciência atuarial, que sempre foi a base para a sustentabilidade do sistema, torna-se ainda mais vital. Figuras como Rio Nogueira* e os cardeais de previdência foram precursoras em utilizar o cálculo para projetar cenários e garantir por décadas a viabilidade do nosso modelo previdenciário brasileiro. No entanto, as condições demográficas e sociais se alteram gradativamente, não só no Brasil, exigindo reformas que antecipadamente se adequem aos novos cenários.
Diante deste cenário, a pergunta que se impõe é como formar o necessário colchão de contribuições para o futuro. A resposta não reside em soluções simplistas, mas em uma agenda estratégica. É preciso diversificar as fontes de financiamento, diminuindo a dependência da folha de pagamento através de uma Reforma Tributária ampla. É fundamental integrar as novas formas de trabalho, criando mecanismos de inclusão previdenciária para quem hoje está à margem do sistema. E, por fim, é essencial fomentar uma cultura de educação financeira e previdenciária na população.
O futuro da Previdência Social é um dos maiores desafios de gestão que o Brasil enfrenta. Não se trata de uma discussão ideológica, mas de uma questão de matemática, planejamento e administração responsável. Cabe a nós, administradores, em conjunto com os atuários e estatísticos, liderar este debate com uma visão técnica, honrando o legado de pioneiros que construíram o sistema e propondo as inovações que garantirão sua sobrevivência.
* Utilizando seus conhecimentos de matemática e estatística, Rio Nogueira tornou-se uma das maiores autoridades no assunto e peça central na construção técnica do sistema previdenciário brasileiro. O modelo que ajudou a criar em meados do século passado era reconhecidamente original, pois se diferenciava dos outros ao ser baseado nas tábuas de mortalidade e natalidade brasileiras, que eram significativamente distintas das estrangeiras.
Adm. Wagner Siqueira
Presidente do CRA-RJ e do Fórum Est. dos Conselhos Profissionais do RJ