“A principal tarefa da Administração é a construção de uma ampla rede de interação-influência na unidade social da organização”.

Rensis Likert

A experiência mostra que os resultados das organizações e empresas estão ligados aos seus processos de gestão e ao comportamento dos gestores. Os melhores resultados são obtidos por aqueles que, na direção, tenham alta consideração tanto para os resultados quanto para com as pessoas que realizam as tarefas. Tal processo baseia-se em princípios, como o comportamento gerencial de apoio, a busca da participação da unidade social da organização seja nas tomadas de decisão, na fixação das metas de desempenho, nos processos e planos que envolvam seu trabalho, seja na compreensão da liderança como forma de interação-influência (não apenas de poder), na necessidade de um amplo e livre fluxo de comunicação multidirecional. Pressupõe-se, deste modo, que os seres humanos, em sua maioria, são capazes de autodireção e controle, tem poder criativo, responsabilidade e, por natureza, não desgostam necessariamente do trabalho.

Estes princípios levam à conclusão de que os fatores capazes de afetar as pessoas no desempenho de suas funções, tanto podem ser extrínsecos às tarefas (salário, segurança, status) quanto diretamente oriundos do que estão realizando (reconhecimento pelos resultados obtidos, responsabilidade, autorrealização pessoal ou profissional.

É função dos gestores, em relação às pessoas, não só atender às necessidades individuais, impedindo a insatisfação no trabalho, mas também engajá-las e envolvê-las no todo do qual são parte. Em outras palavras, cumpre ao gerente fazer coincidir os objetivos individuais no trabalho com as metas da organização. Ora, para isto é indispensável a busca da participação de todos os envolvidos na produção de resultados, seja planejando, organizando, decidindo ou controlando suas próprias tarefas e atividades e as da organização.

Compõe ainda o rol de princípios deste tipo de administração, a convicção da superioridade do trabalho em grupo sobre o individual, em qualquer nível, desde o de direção superior até o das linhas de operação. Estes grupos constituem a unidade básica das organizações e, tendo por finalidade a tomada de decisões, transformam-se no que se convencionou chamar de equipes. Outra grande tarefa do gestor é a de construir, manter e treinar tais equipes até à maior eficiência, assim como funcionar como consultor, educador e coach.

É óbvio que a administração tem de alterar sua organização estrutural tradicional para permitir a construção de vasto sistema de equipes superpostas ligadas através de elementos que participam de duas ou mais equipes (chamados de pinos de ligação), com a função precípua de promover amplo fluxo de informações, estabelecer influência recíproca entre as equipes de que fazem parte e equalizar as tomadas de decisão. Acrescentem-se ainda as ligações laterais e interdepartamentais com os “pinos”, desempenhando as mesmas funções, além de contribuir para adequadas soluções dos conflitos intergrupais.

Importante é fixar o conceito de “pino de ligação”, como o elemento de intercomunicação entre dois ou mais grupos, distinguindo-se assim do conceito de representante. Representante é aquele que, por definição, propõe, defende e luta por objetivos dos que representa – importando para ele apenas a vitória dos interesses ou pontos de vista definidos. O “pino de ligação”, ao contrário, tem uma tarefa multidirecional. Como parte integrante de dois ou mais grupos, o pino de ligação tem a responsabilidade de fazer chegar a cada grupo informações precisas sobre a maneira e o estágio de encaminhamento das soluções aos problemas comuns aos grupos de origem dos quais é membro ou líder. O objetivo é auxiliar todos os grupos, buscando decisões com enfoque para o que é melhor para a organização e suas metas.

Ao contrário do representante, cujo compromisso é apenas com o grupo que representa, o pino de ligação compromete-se com a implementação das soluções adotadas, responsabilizando-se, portanto, pelos resultados que se esperam e pelas consequências que podem advir. Por isso mesmo, é absolutamente imprescindível que, em administração eficaz, o pino de ligação jamais se transforme em mero representante.

Em suma, a administração voltada para a eficácia tem dois objetivos básicos:

– A busca da internalização das metas organizacionais por parte das pessoas, usando os princípios da gerência participativa;

– A implantação de vasta rede de interação-influência com base no modelo estrutural de equipes superpostas e ligações laterais (grupos de função cruzada).

Os hospitais proclamados pelos cientistas da administração como as organizações mais difíceis de gerir são, por isso mesmo, o campo ideal onde o processo da administração participativa pode e deve obter os melhores e mais manifestos resultados. Apenas algumas peculiaridades obrigam a criação de modelo próprio, tendo-se em conta a natureza das metas e responsabilidades envolvidas. A experiência de Carol Huss em Nova Delhi, na Índia, é das mais expressivas em termos de resultados da implantação de um tipo de administração participativa em hospitais. Aliás, também são incríveis as experiências indianas comprovadamente eficazes das tecnologias de informação de ponta no tratamento da saúde de massa, com a universalização de exames antes inacessíveis à maior parte da população.

Do ponto de vista administrativo, os hospitais em nada diferem de quaisquer outras organizações, seja de produção seja de serviços. Os elementos básicos de direção e/ou coordenação são também comuns aos hospitais: relação chefe-subordinado, tratamento de normas e padrões, fixação de metas de desempenho, processos de decisão, conflitos produzidos por autoridade e obediência, crises de moral e coesão etc. Afetam igualmente os hospitais, com os resultados indesejáveis de processos inadequados de gerência. A construção de ampla rede de comunicação entre as pessoas na empresa, gerando mútua influência, faz parte do processo de desenvolvimento de qualquer tipo de organização, inclusive dos hospitais. O que deve ser tomado como peculiar e próprio — origem, portanto, de sua estrutura — é a finalidade da organização, a atividade que desempenha e a que se dedica. É a finalidade explicitada nos objetivos, que determina a organização de um corpo onde possa ser realizado e cumprido o processo ideal de trabalho e direção. E, neste aspecto, tratando-se de organizações complexas, o que importa, em última instância, é a identificação do propósito organizacional, isto é, aquilo que faz parte de todas as atividades das pessoas que ali trabalhem, desde o simples encarregado da limpeza, até o especialista que completa o produto ou categoriza o serviço.

Em outras palavras, há algo dentro de uma organização a que todas as pessoas ou atividades estão ligadas, isto é, a realidade final. A identificação desta realidade, que é necessariamente uma contradição, vai determinar a disposição de toda a estrutura da organização. No caso dos hospitais, o elemento gerador de todas as suas atividades é o doente ou os doentes, para quem são mobilizados equipamentos e disponibilidades e sobre quem atuam os diversos serviços gerais e especializados.

Analisemos a natureza deste elemento que é, de fato, a causalidade da estrutura dos hospitais para podermos, em seguida, construir um modelo organizacional que possa adequar-se às suas realidades e necessidades.

0 doente é o elemento gerador das atividades hospitalares. Soa como um truísmo dizer-se que os hospitais são feitos para os doentes, conquanto se conceba hoje o moderno hospital com atuação sobre as pessoas sãs e sobre as comunidades. Mas, de fato, só a releitura atenta daquele conceito pode refixar a função fundamental: hospitais para doentes.

A realidade do doente é a contradição que ele traz em si: saúde-doença. Doença, na medida conceitual de lesões e alterações funcionais com os seus sintomas, sinais e síndromes; e saúde, porque o doente continua a sua história de pessoa viva, com natureza homeostática, características de adaptação própria e necessidades de alimento, de conforto, de higiene ou de relacionamento com o grupo social e familiar, com manifestação de angústia e medo, coisas enfim, de gente sadia.

No início da História da Medicina este reconhecimento era impossível, quer pela pobreza de informações sobre a natureza das doenças e das próprias pessoas, quer por causa das ideologias dominantes. Durante muito tempo, os hospitais eram locais de confinamento para males contagiosos onde o apelo humanitário das pessoas, sobretudo religioso, levava os frequentadores a apoiar e consolar os internos, na tarefa doutrinária de resignação e autocontrole do sofrimento. Após a Renascença, até o século XV!!! alterava-se um pouco a filosofia da assistência hospitalar e da medicina que abandonava sua passividade diante do raciocínio mágico e iniciava seu estatuto científico.

Postava-se a medicina ante as doenças para sabê-las. Reconhecia, nelas, espaços próprios de configuração, sendo o homem doente, apenas, sua localização. Isto fazia as doenças transparecerem de maneira enganosa, a ponto de gerar conceitos como “a principal perturbação das doenças é trazida pelo próprio doente”, ou então, “o doente é o negativo da doença”. Importava deixar a doença realizar-se em sua história natural para um reconhecimento total e lógico, geralmente expresso em latim, com um mínimo de atuação terapêutica. Não é um acaso a mortalidade elevada nos melhores hospitais de Paris e Londres da época. 0 desenvolvimento da anatomia patológica e sua filha dileta, a cirurgia, criaram, no século XIX, notável aumento do campo de ação sobre as doenças, inclusive com o aparecimento de especialidades e de profissões não médicas ligadas à medicina. O desenvolvimento gigantesco da tecnologia, no século XX, assim como de todas as ciências, dotou a medicina de liberdade de acesso a todas as vísceras dos sistemas e aparelhos dos homens, multiplicando meios de diagnóstico e terapêutica e aumentando substancialmente as curas e recuperações. Entretanto, a preocupação com as doenças permanecia praticamente o único objetivo da assistência hospitalar. É óbvio que apareciam os conflitos decorrentes do desenvolvimento e da multiplicação de especialidades e profissões de saúde. Cada especialidade ou profissão procurava consolidar seus espaços e, de certo modo, recusando-se mutuamente a reconhecer as outras como indispensáveis às demandas da moderna assistência.

Os primeiros grupos médicos a levantarem o problema do homem enfermo foram os psiquiatras, trazendo para os hospitais sua experiência de trato com doentes mentais. Tal iniciativa foi efusivamente saudada por vários profissionais de saúde e reservadamente pelos médicos, provavelmente pela deformação de ensino e treinamento nas Faculdades que concentram suas atividades no preparo de profissionais para diagnosticarem e tratarem de doenças, ainda que particularizadas nos doentes. A experiência da simples transposição da medicina aplicada em consultórios com o “vocabulário pobremente erotizado do encontro e do par médico-doente” redundou e redunda em superficial volta ao humanitarismo comportamental individual revelando desconhecimento da diferença essencial do doente privado, único, ideologicamente identificado com uma classe de maiores privilégios e a massa hospitalar de doentes que, pelo volume e o número de profissionais que tem em torno, impossibilita o privatismo do relacionamento. Então outra modalidade de atendimento há de ser composta, que conte com muita gente tratando de muitos doentes com suas doenças, em uma estrutura que permita, de um lado, a integração dos médicos nas tarefas de atuação sobre as doenças e, de outro, a integração dos profissionais de saúde, inclusive os médicos, na assistência aos portadores das doenças, os homens doentes.