Um dos menos conscientizados equívocos do exercício da função gerencial é aceitar incriticamente a “delegação pra cima”, ou seja, a transferência de atribuições, tarefas e responsabilidades dos membros da equipe para o gerente, que as assume como se fossem pessoalmente suas.

O processo de “delegação pra cima” é sutil, dando-se ou, inconscientemente, por ignorância, insensibilidade e desatenção, ou, conscientemente, por acomodação, descaso e malandragem. Sem se dar conta, você, como gerente, vai assumindo pouco a pouco atividades que os colaboradores lhe encaminham, já que lhe transferem “os abacaxis”, as “batatas quentes” ou os “macaquinhos” de tudo o que, por qualquer razão, não querem realizar, não saibam fazer e comumente sequer desejam aprender.

Você precisa estar atento para não ser usado como uma espécie de “despachante” de sua equipe de colaboradores, que, em situações críticas – este pode ser o seu caso – acabam por fazer de você o “burro de carga” deles, subordinados.
Como você desempenha a sua função gerencial?
a) Você programa o seu tempo, e a partir de sua programação subordina o tempo dos subordinados às suas conveniências?
b) Ou você tem o seu tempo estabelecido no fulgor do cotidiano, a partir dos problemas que lhe são trazidos, em qualquer momento, pelos subordinados?
Tente ser rigoroso na sua auto-apreciação, porque a grande maioria dos gerentes se enquadra na opção “b” acima, e nem desconfia da disfunção comportamental que possui. Essa disfunção de tal sorte se incorpora à sua vida funcional que lhe parece ser natural, inerente ao seu trabalho, um contrapeso comportamental próprio de todos, como você, dedicam-se ao mister da gestão.
Procure refletir um pouco sobre o seu cotidiano de trabalho:
a) A sua secretária está sensibilizada para a importância de poupar/preservar o seu tempo?
Ou não titubeia em sacrificar o seu tempo, interromper-lhe a todo o momento, desrespeitando a sua concentração no que você faz, desde que seja do interesse dela para livrar-se do que tem a fazer ? Ela lhe interrompe aos picadinhos, ou prefere tratar dos problemas em bloco com você?
b) Será que você sofre da síndrome do copy-desk, ou seja, tem desempenhado, sem se dar conta, o papel de revisor dos textos cada vez mais mal preparados de seus subordinados ? Ou você prefere ensiná-los a fazer, obrigando-os a refazer o que lhe trazem de má qualidade? Ou você há muito desistiu, preferindo redigir pessoalmente tudo o que eles deveriam fazer?
Afinal, pensa você, eles não conseguem produzir um texto que lhe agrade. Rever tudo sempre acaba lhe dando mais trabalho. E ai você acaba por ser o redator de seus subordinados. Eles não só não aprendem como cada vez mais lhe passam o que têm a fazer. Na melhor das hipóteses, tornam-se displicentes já que sabem, de antemão, que você vai rever tudo o que fizerem. Deixam de dar o melhor de si, fazem apenas “o que está no gibi” para justificar as suas presenças na folha de pagamentos. Eles ficam com os salários, e você com o trabalho deles.
Não seria melhor você definir claramente com os seus colaboradores as expectativas de qualidade do que produzem, ensiná-los e fazê-los fazer até que acertem ? Não duvide: eles vão aprender, pois “papagaio velho também aprende a falar”.
O que se deve entender por revisão de documentos produzidos pelos seus colaboradores?
Rever seria completar lacunas, corrigir fotografias, tabelas e gráficos, conferir a digitação, a ordem da apresentação do texto, numeração, precisão dos dados, notas de rodapé, referências e indicações de suporte?  Ou rever deve ser entendido como uma orientação de estilo ou de conteúdo, antes de homologar um documento através de sua assinatura?
Em geral, por não terem uma atitude crítica em relação aos seus cotidianos, por se envolverem no turbilhão de decisões e de ações inerentes à função, os gerentes, o mais das vezes, transformam-se em “assessores”, ou, porque não dizer, “empregados” de seus colaboradores, fazendo por eles o que lhes compete, subordinando-se aos seus critérios de uso do tempo, assumindo tarefas, atribuições e responsabilidades absolutamente impróprias ao seu desempenho. Não subestime, jamais, a enorme capacidade que os seus colaboradores têm de “delegar pra cima”. Quanto mais burocratizada ou concentrada a autoridade de decisão, mais ocorre o fenômeno da “delegação pra cima” no mundo das organizações.
Se você, como gerente, delega aos colaboradores apenas a responsabilidade pelo que fazem, mas não lhes delega a correspondente autoridade para tomar decisões, mais você será contaminado pelo vírus da doença comportamental da “delegação pra cima”.
As equipes, e as organizações em sentido mais amplo, que não justapõem os pontos de decisão aos pontos de execução, tendem a ter um alto nível de incidência de “delegação pra cima”, obrigando os seus gerentes, não a serem líderes de líderes, o que os levariam à excelência de desempenho, mas a serem crescentemente assoberbados por uma carga de trabalho incompatível e inadequada, imprópria às suas funções. Assim, os gerentes deixam de se concentrar no que deveriam fazer, pensar, refletir, planejar e supervisionar o futuro que se constrói no presente para fazer o trabalho de seus subordinados.
Essa disfunção comportamental tem como orientação o trabalho pelo trabalho, o “jogo de meio campo”, as tarefas e as atividades em si mesmas, e não a busca permanente e focada nos resultados, metas, objetivos e missões. O mau uso do tempo pelas gerências, o acúmulo desnecessário e expletivo de trabalho, a desconcentração e a perda de foco, estressam cada vez mais os quadros gerenciais, tornando-os pouco produtivos, dispersivos e de baixos resultados concretos.
A administração e a superposição de crises que se sucedem passam a ser a marca, o estilo, a pedra de toque da vida dos gerentes, com perda substancial das suas qualidades de vida e dos resultados organizacionais.

– Você é um gerente que tende a trabalhar mais horas do que os membros de sua equipe? Afinal. Você é o chefe: é o que ganha mais.

– Você é um gerente que resolve tudo, que “chuta com as duas”, que sempre se apresenta para “bater o pênalti? Afinal, você é o chefe: é o “capitão do time”.
– Você é um gerente que não tem confiança na qualidade do trabalho de seus colaboradores? Afinal, você é o chefe: é sempre bom confiar desconfiando, “ter um olho no padre e outro na missa”.
– Você é um gerente que não leva muito em conta o treinamento de seus colaboradores? Afinal, você é o chefe: que é quem tem de saber tudo e estar sempre bem treinado.
– Você é um gerente que não gosta de delegar? Afinal, você é o chefe: é como dar o volante do carro para alguém dirigir em seu lugar. Nunca é uma experiência agradável, já que ninguém dirige melhor do que você.
– Você é um gerente que prefere atribuir tarefas isoladas a cada um dos membros de sua equipe, sem necessariamente definir os resultados do que espera ? Afinal, você é o chefe: é sempre bom “dividir para reinar”.
– Você é um gerente que atribui a mesma tarefa a mais de um colaborador, sem necessariamente informá-los da dupla atribuição? Afinal, você é o chefe: é sempre bom saber qual dos dois vai se sair melhor; você duplica a chance de ter um resultado de qualidade.
– Você é um gerente que se julga indispensável, insubstituível por quaisquer de seus subordinados ? Afinal, você é o chefe: nunca é bom “criar piranha pra lhe comer”.
– Você é um gerente que não se aborrece em assumir todos os problemas? Afinal você é o chefe: você é um “problem-solver”; por isso você é o gerente: por sua enorme capacidade de resolver problemas. Você resolve em um segundo o que os seus colaboradores o fazem em dias.
– Você é um gerente que não gosta muito de dar oportunidade aos membros de sua equipe de se mostrarem como capazes? Afinal. Você é o chefe: é a equipe que tem que se beneficiar do trabalho isolado de cada um. É o seu lema: “um por todos e todos por um”, não se esquecendo todos de que o um é sempre você, a síntese de sua equipe, o “botão que sempre aparece no vestido que vai a festa”.
– Você é um gerente que sempre busca identificar algum defeito no trabalho dos subordinados? Afinal, você é o chefe: como Deus, perfeito no trabalho só você, o chefe.
-Você é um gerente que estimula a competição e a desconfiança entre os membros de sua equipe? Afinal, você é o chefe: quando eles competem entre si e desconfiam uns dos outros, você sempre fica sabendo de tudo e pode, assim, intervir proativamente na resolução dos problemas. Ademais, a competitividade entre os subordinados é salutar, pois faz com que os melhores se destaquem.
– Você é um gerente que privilegia alguns colaboradores em detrimento dos outros? Afinal, você é o chefe: é preciso tratar desigualmente os desiguais; os “dedos das mãos são diferentes”, os colaboradores também o são. Não é que você tenha os seus “peixinhos”, mas precisa tratar diferentemente os melhores.
As conseqüências desta forma de agir tendem a ser desastrosas para a higidez psicológica da equipe e para os resultados de seu desempenho. Desmotivação e desinteresse, inautenticidade, perda de franqueza e de abertura, clima conflitivo e pouco cooperativo, desânimo e insegurança são as resultantes inelutáveis do comportamento de um gerente que se pretende onipresente, onipotente e onisciente. Este é o estilo gerencial que fecunda e fertiliza a “delegação pra cima”.
Diante de um quadro tal de circunstâncias, o subordinado inseguro e desmotivado, que convive com a incerteza de relações com o seu próprio gerente e com os seus colegas, apega-se irrestritamente às atividades rotineiras, sem ousadia, incapaz de pensar o novo e de realizá-lo. Só faz o que o gerente manda e permite, sem iniciativa e autonomia, em postura de passividade e de repetição monótona do que está acostumado a fazer. Receia cometer erros, evita situações e tarefas que possam colocá-lo em risco ou que desafiem o cotidiano e o status quo. Consulta sistemática e permanentemente o seu gerente, mesmo na realização de atividades repetitivas e rotineiras. Não propõe soluções aos problemas, optando sempre por desincumbir-se de suas tarefas como o seu gerente o orienta a realizá-las.
Se você trabalha demais, se a sua família reclama dos seus horários e dos expedientes em casa à noite e nos fins de semana, se você acha que “carrega a sua equipe nas costas”, se os seus colaboradores não demonstram competência e interesse em tomar decisões, analise corajosa e objetivamente o que você anda fazendo em sua vida profissional como gerente. Lembre-se: ser individualmente competente para realizar o seu trabalho, não o capacita para ser bom gerencialmente. Você pode até sofrer de grave limitação gerencial: a incapacidade treinada para gerenciar, porque tem a capacidade treinada para fazer.
Talvez você derive satisfação psicológica de fazer com as próprias mãos, e não de fazer fazer. Administrar é obter resultados através de terceiros, através dos outros, de seus colaboradores. Não é fazer diretamente, por si só no lugar deles.
O sucesso de ontem, que justificou a sua ascensão à função gerencial, talvez seja hoje a sua grande limitação para desempenhar excepcionalmente bem o cargo que agora ocupa. Você precisa agora praticar a mais difícil tarefa em sua trajetória profissional: aprender a desaprender, desconstruir o que sempre teve como verdade, entender que o que você tinha ontem como competência profissional técnica, que consubstanciou a sua promoção, é agora o seu grande empecilho a exercer de forma excelente a função gerencial. Você hoje precisa desenvolver novas competências e atitudes inteiramente distintas das que tinha como técnico.
É difícil: aprender a desaprender, derivar satisfação psicológica do que é feito pelos outros e não por você, conviver com a incerteza e a ambigüidade próprias do desempenho gerencial, abandonar a certeza do conhecimento técnico e das verdades de ontem para construir um novo caminho, delinear uma nova trajetória, fundadas na gestão do risco e das crises, no que é feito pelos outros, no compartilhar do sucesso, na atitude de compreensão da divergência e do conflito, na busca do consenso, na liderança de pessoas e de grupos, na tomada de decisão e na condução de programas.