A tecnologia avança à velocidade da luz, mas a mentalidade das organizações avança à velocidade do carro de boi. Vivemos e trabalhamos na sociedade do futuro, mas continuamos a usar os valores do passado, ou seja, uma convivência do novo com o velho: o novo da tecnologia e o velho da mentalidade.

A pandemia do coronavírus escancarou a obsolescência das organizações e da sociedade brasileira. As tecnologias e ferramentas usadas hoje no Brasil do home office são há muito disponíveis e existentes, mas antes completamente ignoradas no cotidiano da vida brasileira. Como continuar com os anacronismos tupiniquins no mundo da Internet, que estimula que o lugar onde se mora seja também o lugar em que se trabalha? No mundo do Google, ainda trabalhamos com tabela Excel e com a máquina de calcular. As pesquisas apontam que nem 2% de nossas empresas estão com uma participação modesta na economia 4.0. Na verdade, no Brasil, o anacronismo da mentalidade de gestão se superpõe à falta de contemporaneidade dos recursos tecnológicos que utilizamos, num híbrido malsucedido que resulta em que nos tornemos subdesenvolvidos à nossa própria custa: desde 1970 como uma das dez maiores economias do mundo, passamos de 6ª para a 12ª nos últimos anos, em marcha batida para o Efeito Orloff da Argentina.

Julgamos que nossas organizações são tão avançadas quanto as tecnologias de que dispomos, mas que muito mal utilizamos. Não, não são! Vivemos na superficialidade do humanismo e no obscurantismo da Idade Média organizacional. A organização é o reduto autoritário da sociedade brasileira! É ela que discrimina o negro, a mulher, o portador de deficiência, o homossexual, o idoso, o imigrante. A pior coisa que o preconceito pode fazer com uma pessoa é torná-la exatamente igual àquilo que o preconceito diz que ela é. A dignidade humana é uma questão de permissão social. A discriminação processada no cotidiano das organizações se traduz numa sociedade preconceituosa, desigual, elitista, cheia de privilégios. Apenas 1% dos brasileiros concentram um terço da renda do país. Apenas 5% concentram 95% da renda de toda a população. O Brasil é o sétimo país mais desigual do mundo, atrás apenas da África do Sul, Namíbia, Zâmbia, República Centro Africana, Lesoto e Moçambique.

No futuro próximo das organizações, assim como já não há hoje, não haverá gente suficiente a curto e médio prazos no Brasil para as novas profissões que estão sendo criadas. O filme da 4ª RI não repete a história das revoluções industriais anteriores, em que a criação de empregos substituía os empregos que morriam. Acabam muito mais empregos hoje do que se criam. E os que se criam são de maiores exigências e de maior qualificação. E a educação fica cada vez pior, mais precária!

 Se conseguirmos entrar e participar da economia do mundo digital, mudaremos o Brasil. Por exemplo, como enquadrar as novas relações trabalhistas estabelecidas nos velhos conceitos da CLT, centralmente formulados para o contrato de trabalho por tempo indeterminado, para um mundo em que as relações de trabalho eram permanentes e estáveis? Vivemos no mundo do contrato de trabalho por prazo determinado, do trabalho intermitente, da terceirização, da quarteirização, do trabalho de jornadas parciais, part-time, do trabalho autônomo, das MEI’s, mas principalmente da brutal precarização nas relações de trabalho. Como aplicar estritamente a CLT às grandes celebridades, ao Ifood, Rappi, Uber e 99? Como regular o trabalho em home-office? Estamos diante de um anacronismo legal, de uma legislação inadaptada à nova realidade.

Um novo contrato social, portanto, bem distinto do atual contrato de trabalho, precisa ser adotado a fim de acomodar e se adequar à economia do compartilhamento. Como tratar a “pejotização” indevida? Concedemos subsídios e privilégios a muitas PJ’s que não são PJ’s, assim como também a MEI’s que não são MEI’s. Este é o país do faz de conta! Grande parte destas são de trabalhadores precarizados em busca de colchões de proteção social no trabalho que realizam. A economia 4.0 exige que a regulação das relações de trabalho se faça com o foco na “defesa do trabalhador”, não na defesa do trabalho, bem diferente do que estipula toda a lógica da CLT, de 1943, para um país à época com uma indústria ainda muito incipiente e basicamente monocultor de café. A empresa brasileira, mais do que nunca, precisa se contextualizar aos tempos presentes, às disrupturas do século XXI. Nada de remedos à velha realidade: temos de transformar o tecnicamente novo no economicamente produtivo.

Sobre:

Wagner Siqueira é consultor de organização e diretor geral da UCAdm -Universidade Corporativa do Administrador do CRA-RJ, conselheiro federal RJ junto ao CFA.