As referências atitudinais e psicológicas entre o fundamentalismo religioso de quaisquer denominações – sejam os evangélicos, católicos, islâmicos, judeus, umbandistas, candomblecistas, espíritas, etc – e o empregado convertido ao cultismo das organizações empresariais no mundo dos negócios guardam visíveis semelhanças.


Por exemplo: a vida, no seu sentido mais amplo, não é um valor por si mesmo, a não ser quando associada ao coletivo dos crentes para os religiosos e aos colegas de trabalho para o empregado da organização deificada. Só na integração e na participação com seus semelhantes – na comunidade religiosa ou na organização corporativa – o indivíduo se sente pessoa, preserva o seu próprio eu.


A forma de pensar condiciona significativamente o comportamento. Ambos – o religioso fundamentalista e o convertido à devoção empresarial do trabalho – têm percepções similares, cada um com o foco em seu objeto de interesse ou de adoração. O conjunto de concepções e de pressupostos sobre a vida tem uma importância decisiva na maneira como cada um percebe o mundo e assim se comporta. A ação do ser humano é constituída por razão e emoção em permanente processo de influência recíproca. A percepção é fonte e limite do comportamento humano. A maneira como eu percebo determina a maneira como me comporto.


Ao submeter-se a uma comunidade totalitária – na igreja ou na empresa – normalmente sob a benção de uma liderança carismática, sempre emergente de culturas divinizadas, tanto o crente fundamentalista quanto o convertido à religião do trabalho aceitam e se integram em plenitude à verdade do pensamento único, das doutrinas, dos dogmas e dos fetiches que amalgamam o cotidiano de suas comunidades.


O fanático fundamentalista dispõe-se ao sacrifício da própria vida para obter no paraíso a compensação pelo sofrimento de sua imolação. O convertido às organizações empresariais que se transformam em verdadeiras seitas busca pela integração irrestrita ao trabalho uma vida de felicidade aqui na terra; ao viver para o trabalho deixa de desfrutar de todas as demais dimensões existenciais que a vida proporciona. Aparício Torelli, o Barão de Itararé, costumava lembrar que “a única coisa que se leva desta vida é a vida que se leva”.


Assim, de modo semelhante, tanto o integrante da seita fundamentalista fanática quanto o da seita organizacional do mundo corporativo compartilham de uma cultura totalitária que, ao fim e ao cabo, os aniquila como pessoas. Um pelo martírio físico que vai até a aniquilação da própria vida. O outro pelo empobrecimento existencial de seu “eu” como ser humano, mesmo dispondo de todos os confortos e felicidades propiciadas pelas empresas, que ao outro – o religioso fanático – são negadas em decorrência do próprio credo ou pela sua própria origem determinante de sua opção pela busca da felicidade somente na vida celestial.


As organizações do mundo dos negócios se transformam em seitas como estratégias ardilosas para o aumento desmesurado de sua produtividade, garantindo cada vez maiores ganhos aos acionistas, a nova aristocracia social da ordem econômica mundial em que vivemos.


A sutileza da relação explorador-explorado se dá sob os auspícios de uma sociedade de mercado crescentemente assumida como pensamento único por intelectuais soi-disant tanto de direita quanto de esquerda, sempre engajados na justificação teórica e na legitimação prática da inevitabilidade do processo de exploração.


As seitas fundamentalistas buscam os seus quadros nas enormes multidões de excluídos, de desvalidos e de desesperados, que vêem arruinarem-se no cotidiano quaisquer possibilidades de reversão de suas realidades. Vivem a esquizofrenia da perda de suas referências e tradições anteriores à intensificação da globalização; não compartilham como beneficiários de suas facilidades e conveniências. São os novos “Miseráveis” de Victor Hugo, neste finalmente “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley.


É neste quadro de circunstâncias que o fundamentalismo corporativo e o religioso florescem, cada qual com a sua lógica própria, mas que guardam em si evidentes indícios de similitude.


A enorme dispersão de valores vivida na sociedade mundial do “aqui e agora”, da impermanência, do multiculturalismo, da tribalização humana entre os afins, leva as organizações também a se tribalizar na busca de maior competitividade, contra a concorrência mundializada.


A exclusão das massas do processo mundial de produção e dos benefícios da riqueza cria condições objetivas para a articulação, agregação e organização dos excluídos e dos que perdem as suas próprias identidades. A religião fanatizada passa a ser último refúgio coletivo de luta capaz de preservar a identidade do indivíduo e de lhe propiciar condições objetivas de enfrentamento às adversidades que julga lhe serem impostas por culpa dos ímpios e dos apóstatas.


Nas organizações empresariais que se autocultuam o indivíduo encontra pelo trabalho a sua auto-identidade. Preenche os seus vazios existenciais na empresa já que se ressente de participação em plenitude na família e nas mais diferentes formas de interação comunitária das quais deveria participar e se auto-realizar.


No fundamentalismo religioso o indivíduo também restaura a sua auto-identidade pelo compartilhamento com os iguais de valores, crenças, tradições, visões do mundo, idiossincrasias que lhe são tão essenciais.


Ambos, tanto os convertidos à teologia do trabalho quanto os religiosos fanatizados, se auto-encontram simultaneamente pelo convívio entre semelhantes e pela negação dos demais. A percepção se faz pela negação dos outros que não compartilham das mesmas concepções e percepções de mundo.


No mundo do trabalho, o convertido na prática desenvolve a maior animosidade pelas organizações concorrentes e por todos os seus colaboradores.


Na religião, o fundamentalista execra todos os que não comungam da mesma fé e, ao extremo, não tem porque até não os eliminar fisicamente, pois fazem parte das coortes dos endemoniados na luta do bem contra o mal. Assim também é no mundo dos negócios: a empresa é o bem e a concorrente é o mal a ser extirpado do mercado.


O fundamentalismo é a perversão das religiões assim como a transformação das organizações corporativas em seitas é a perversão da vida empresarial.


Todas as religiões indistintamente propõem a solidariedade e o amor ao próximo, assim como as empresas são em teses instituições comprometidas com o bem comum. Por que tais pressupostos não se concretizam nesses verdadeiros aleijões das religiões e das vidas das empresas?


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