Nestes tempos do Coranavírus e à guisa de comemoração do Dia do Trabalho, é preciso insistir na questão central que já há algum tempo afeta o equilíbrio das condições psicossociológicas do trabalhador nas relações cotidianas no mundo das organizações.
A luta de classes entre patrões e empregados se transferiu para o íntimo de cada trabalhador, transfere-se hoje para o interior do indivíduo como pessoa. A nova realidade transforma o trabalhador numa espécie de empregador de si mesmo. O profissional emprega o corpo e entrega a alma ao trabalho.
O fordismo já não rege a organização do trabalho. Muito menos as descobertas das ciências do comportamento. Apesar do discurso da imprescindibilidade e da importância da equipe na obtenção da excelência de resultados, nunca se praticou tanto a avaliação individual. A exacerbação do cumprimento de metas individuais de desempenho agrava e aprofunda a dissensão entre colegas, viola o princípio da solidariedade e da cooperação subjacente no trabalho, devasta ambientes sociais, exponencia o egoísmo e a competitividade predatória de um contra o outro.
Se os trabalhadores já não tinham mais razão para se sentirem em contradição com o capital, como doutrinavam as teorias das organizações, agora fazem do assalariado o seu próprio patrão, o empregador de si mesmo, o empreendedor interno do negócio em que trabalha. Já não há mais luta de classe, os interesses intrínsecos de ambas as partes se concentram indivisos no íntimo de cada trabalhador como pessoa. Eis aí um sofisma de falsa causa. Em verdade, tanto o capital, agora travestido massivamente de capital financeiro, quanto o trabalho continuam plenamente presentes. Apenas agora o conflito entre salário e lucro, entre capital e trabalho, transbordou para um antagonismo social a ser equacionado e resolvido no interior do próprio indivíduo.
Antes, o conflito social era regulado pelas mediações sindicais entre patrões e empregados, por normas e regulamentos legais de governo, pela ação direta do Estado, principalmente pelas decisões dos tribunais de justiça. É evidente que estas condicionantes institucionais ainda subsistem, mas não mais como protagonistas exclusivos da resolução de querelas entre patrões e empregados. Agora o conflito se encontra intensamente dentro do trabalhador como pessoa.
E é exatamente a incapacidade de as pessoas administrarem esse conflito interior, que tem no suicídio e nas sequelas psicológicas do trabalho a sua válvula de escape, a solução dramática de um impasse inusitado que não vislumbra alternativas de solução ganha/ganha, se mantida a ideologia dominante de organização do trabalho prevalecente nos tempos presentes da sociedade de mercado.
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