O descrédito do político generalizou-se em nosso País, e isso definitivamente não foi obra do acaso. A ruptura desse sistema de degradação e desse quadro de desesperanças passa pela reconceptualização da ética política. Do contrário, a nação se subordinará de vez ao peso dos vícios e das deformações que o sistema lentamente vêm impregnando o conjunto das instituições políticas brasileiras.
Por exemplo: as campanhas orquestradas contra as instituições políticas, particularmente contras as Casas legislativas e os partidos Políticos, não são obras do acaso ou produtos das circunstâncias, mas atendem a um objetivo claro e definido de desagregação institucional. É verdade que, por outro lado, tantos parlamentares quanto os partidos dão um bocado de razão para que essas campanhas frutifiquem e prosperem. E como dão razão!
Quando se rompem princípios éticos na economia e na política, nas reações entre o governo e o povo, também não se pode exigir coerência apenas no campo das relações pessoais e da vida privada. Quando a coisa pública é corrompida, a vida privada a acompanha. Quando a chamada elite prevarica, rouba e corrompe, a população se sente estimulada a seguir o exemplo.
Portanto, na ética política é preciso superar o falso conceito que pressupõe ser o povo brasileiro só e apenas vítima e não também agente, culpado e cúmplice de sua própria desgraça. Este é um falso preconceito da esquerda, do País dos coitadinhos. Poucas vezes um eleitor vai ao político para demandar uma questão coletiva, debater uma tese, reivindicar um posicionamento. Quando é coletivo, é corporativista. Por outro lado, os movimentos sociais organizados são crescentemente partidarizados, transformados em correias de transmissão de Partidos.
E assim, neste País confunde-se política e politicagem: a politicagem como indica a própria formação da palavra, por derivação pejorativa, é uma contrafacção do conceito de política. A politicagem é o aleijão da política.
Há política e política. Há uma que deve ser aberta a todos; é aquela que paira acima dos interesses particularistas, fisiológicos e meramente partidários; acima da cobiça de poder e da vaidade, exercitando-se nobremente num patamar mais elevado, onde imperam a necessidade social e o interesse coletivo.
Mas há uma outra que não é propriamente política e deve ser excluída da nossa ação. Como pode um homem público, comprometido com as aspirações da coletividade, trocar a independência de suas convicções pessoais pela subordinação das transações espúrias decorrentes da politicagem? Trocar a linha reta e indivisa de suas idéias pela triste linha tortuosa que as ambições às camarilhas sem programas e aos subservientes sem bandeiras? Trocar a sua moral é uma atitude ética, fundada no interesse social, por essas duas morais paralelas da vida demagógica e mistificadora uma moral na vida pessoal e outra moral na vida pública, uma condenando todas as traições e outra tolerando, aconselhando e praticando todas as deslealdades e farisaísmo.
Uma praticando a religiosidade e o amor ao próximo, e outra transformando-se num prostíbulo de aluguel de solidariedades e de consciências.
E assim que se faz política hoje no Brasil. Assim é que se envenena a consciência da população e se desorienta a opinião pública para melhor poder arrastá-la a toda sorte de interesses. Sem nobreza de ideais e autenticidade de intenções, essas oligarquias políticas que nos presidem têm sempre vida mais ou menos efêmera. E as ambições pessoais que as engendram são as mesmas que as destroem, para o acesso a outras em que tudo se equivalem. Diante de tal quadro de lideranças postiças, a vida política no Brasil não oferece os requisitos indispensáveis ao florescimento das forças vivas da sociedade. As poucas exceções apenas confirmam a regra. Somos assim o “País das Moscas”, em que as hordas insaciáveis de insetos substituem-se permanentemente na sua voracidade.
Nada poderemos esperar deste País digno de nós e de nossos filhos enquanto a corrupção e a ambição inautêntica formarem a base e a razão-de-ser da nossa atividade política.
Vivemos uma crise sem precedentes, mas sempre que houver um impasse, haverá uma saída. A aceitação sem medo das barreiras destrói as aparências falsas. E subsistem as reais que devem ser enfrentadas com determinação e vontade. A mudança, por definição, requer esforço. É no conceito de que pode haver mudança para melhor – de que podem as condições de crise serem modificadas – que reside a verdadeira essência do processo de avanço e transformação social.
É o conceito de esperança que nega a desesperança, e é nele que devemos nos abrigar para empreender a longa, difícil e dolorosa luta de reconstrução da dignidade nacional e de restauração dos valores mais altos de brasilidade e de ética política. A atitude ética do homem público envolve um grande esforço pessoal de mostrar pelo sue exemplo a saída da crise. E ele precisa se entregar permanentemente a um verdadeiro trabalho de catequese. Por exemplo: sempre que ele pelo eu diz ou faz associa honestidade pessoal à competência, ele contribui para vencer o falso fundamento do “Rouba mas faz”. Só assim ele poderá convencer as pessoas de que no governo quem rouba só faz fortuna, só faz riqueza para si.
Eu espero que este vendaval de denúncias que hoje pontificam na mídia não seja um sinal irreparável da degradação e da decadência moral de nosso País. Mas que na realidade seja o início de um processo de purificação, de rejeição dos valores aéticos e imorais existentes na sociedade. Que estas denúncias sejam a expressão real de que a sociedade não mais suporta a infecção moral em que vivemos e que está disposta a dar um basta.