O mercado competitivo mundializado cria as condições objetivas necessárias à rebelião das novas elites emergentes, constituídas por executivos e profissionais altamente especializados que se recusam a aderir aos postulados das organizações. 


São os anarquistas do terceiro milênio, que não aceitam limites ou laços permanentes com lugares ou organizações. Essas elites profissionais, migratórias por excelência, representam o apartheid social do mundo globalizado. São a sua contracultura. E, assim, reincidem no mesmo equívoco: transformam-se em apóstolos de uma nova religião do trabalho, ainda que da lógica e da razão. 
Dado o caráter de vida que levam, afastam-se do cotidiano das pessoas, especialmente daquelas que se incorporam por tempo indefinido às organizações e aos lugares. 
Não são os mesmos anarquistas manifestantes contra a globalização, hoje tão comum nas ruas de todo o mundo, que voltam a desfraldar bandeiras vermelhas e negras de repúdio à ordem econômica estabelecida. Ao contrário, centram a sua rebeldia num anarquismo individualista, que se fundamenta no ideal egoísta segundo o qual a pessoa se realiza em conflito com a coletividade e com os outros indivíduos. 
Assim sendo, é necessário tirar partido temporário de todas as circunstâncias favoráveis, onde quer que estejam. E como predadores, vagam de organização em organização, nos mais distintos e remotos lugares do mundo, em busca da sua auto-realização. 
Apegados aos critérios lógicos e racionais de seus computadores, essas elites abandonam os fundamentos morais, éticos e religiosos na ilusão de que somente por meio da ciência e do uso da tecnologia de ponta serão capazes de determinar os seus destinos. São as classes emergentes da economia globalizada, cada vez mais requisitadas pelas organizações competitivas mundializadas, que os requerem temporariamente como forças mercenárias de elite, para enfrentamento de crises específicas ou para o redirecionamento de conceitos e visões, metas e objetivos. 
Com uma concepção estritamente pragmática e utilitarista do mundo, essas
 elites usam as organizações na realização de seus interesses, ao invés de serem por elas usadas. 
Não acreditam na eficiência do Estado e de qualquer autoridade imposta por estruturas organizacionais hierárquicas.
 São antidogmáticas em sua essência. Opõem-se à sujeição de quaisquer esquemas únicos, próprios das organizações. 
Não vestem a camisa de ninguém: países, empresas, profissões, equipes, filhos, famílias, parentes, comunidades. São leais somente a si próprios e às atividades que provisoriamente realizam; não declaram isso, mas é assim que se comportam. 
Contrapõem-se à formulação de modelos aprioristicamente estabelecidos, na certeza de que representam uma ameaça à liberdade, à autonomia e à independência. A negação à adoção de idéias de quaisquer gurus políticos, religiosos, sociais ou de gestão empresarial lhes assegura ampla flexibilidade e maleabilidade de adaptação à mudança. Mas não são amorfos ou ajustáveis a quaisquer situações. 
Alguns conceitos lhes são vitais: a negação e o repúdio a toda forma de autoridade; a ênfase na autonomia individual; a importância da educação permanente; o desapreço ao patriotismo e à religiosidade; a insubordinação à exploração do trabalho; o desligamento de laços afetivos com quem quer que seja. 
Por serem contrários a todo tipo de poder e dominação, fazem do exercício da própria liberdade o caminho que os conduz à realização plena de suas necessidades egoísticas. Neste sentido, essa nova variante de anarquismo no mundo dos negócios se constitui numa verdadeira rebelião das elites, a crítica comportamental mais radical ao status quo praticado por um número crescente de organizações que se transformam em verdadeiras seitas do trabalho: recusam-se a aceitar não só o conteúdo, mas também a forma pela qual se organiza a ordem econômica mundial, sem deixar de tirar o maior partido em seu benefício das circunstâncias e das realidades estruturais estabelecidas. 
São vigorosamente contrários à atual ordem econômico-social mundial e à forma como as organizações são concebidas e operadas. Mas nada fazem para destruir esse estado de coisas; pelo contrário, buscam individualmente usufruir dele o máximo que podem.