De Adm. Wagner Siqueira, presidente do CRA-RJ

A legalização das apostas no Brasil seguiu um percurso controverso que se iniciou no governo Temer, consolidou-se no governo Bolsonaro e continua em ajuste no governo Lula. Com a promulgação da Lei 13.756/2018 no governo Temer, regulamentou-se as apostas de quota fixa, abrindo caminho para uma expansão descontrolada do setor. O governo Bolsonaro tentou criar mecanismos de controle e tributação, mas sem um debate público profundo ou políticas preventivas adequadas.

Sob o governo Lula, a Lei 14.790/2024 consolidou um sistema de tributação para empresas e apostadores, permitindo que as empresas ficassem com até 88% do faturamento bruto, destinando apenas 12% para áreas sociais como saúde e educação. Essa baixa contrapartida social, em um setor que movimenta bilhões de reais, evidencia um modelo que prioriza a jogatina em detrimento de medidas eficazes para controlar o vício e proteger os mais vulneráveis.

A comparação com o Reino Unido expõe a falha do Brasil em implementar regulamentações robustas. No Reino Unido, o setor é amplamente regulado, com limites claros para evitar o endividamento dos apostadores e garantir que as empresas cumpram suas obrigações sociais. No Brasil, o mercado cresceu sem mecanismos de controle eficazes. A existência de mais de 205 empresas de apostas, que permitem apostas até em eventos triviais, como corridas de tigrinhos, reflete o descontrole. A solução do governo de oferecer tratamento psicológico para viciados em apostas é insuficiente, pois ataca apenas os sintomas, sem abordar as causas estruturais que favorecem o crescimento desenfreado do setor.

Além disso, o debate sobre as apostas no Brasil sempre foi polarizado em torno de bingos e cassinos, atividades que enfrentaram resistência no passado devido a questões como lavagem de dinheiro. Curiosamente, as apostas online, que deveriam ser mais reguladas, foram aprovadas sem o mesmo rigor. Ao comparar com as apostas online, que frequentemente operam com equipes reduzidas e têm uma conexão limitada com a economia real, é importante destacar que a legalização de bingos e cassinos poderia gerar mais empregos e benefícios econômicos, especialmente para setores como turismo e hotelaria, sem necessariamente representar uma defesa dessas atividades alternativas de jogos de azar.

Outro ponto crítico é a tributação inadequada. Embora os apostadores sejam tributados em 15%, independentemente do valor ganho, essa alíquota ainda é insuficiente para garantir uma redistribuição justa dos recursos. Além disso, a falta de auditorias independentes e fiscalização adequada cria um ambiente propício para irregularidades. O aumento da tributação sobre os lucros das empresas de apostas, acompanhado de uma fiscalização mais rigorosa, poderia mitigar os danos sociais e garantir que mais recursos fossem revertidos para o bem público.

O envolvimento da Caixa Econômica Federal no mercado de apostas online também gera um paradoxo. A Caixa, que deveria ser um instrumento de desenvolvimento social, agora opera no mesmo mercado que muitas vezes aprisiona cidadãos em ciclos de endividamento e ilusões de ganhos fáceis. Esse movimento contradiz os princípios de controle e regulação que o Estado deveria adotar, pois o governo, ao invés de controlar, está agora participando ativamente do crescimento das apostas.

Além das 205 bets já autorizadas, até 03/10, o governo deve retirar do ar 600 sites irregulares nos próximos dias, demonstrando um esforço tímido de controle. No entanto, a situação é alarmante: o Brasil já movimenta 1/3 do volume de apostas dos EUA, uma economia muito maior, expondo o tamanho e a gravidade do problema no país.

Em última análise, o modelo atual favorece a expansão das bets sem considerar as consequências sociais e econômicas, especialmente para as famílias mais vulneráveis. Se não forem implementadas regras mais duras e auditorias rigorosas, o impacto será devastador. É essencial que o governo fortaleça a regulamentação do setor, crie mecanismos de gestão, de compliance e de controle sobre arrecadação. Só assim será possível mitigar os efeitos destrutivos da legalização irrestrita das apostas no Brasil.

(*) Wagner Siqueira é o atual presidente do Conselho Regional de Administração do Rio de Janeiro (CRA-RJ) e Presidente do Fórum Estadual dos Conselhos Regionais e Ordens das Profissões Regulamentadas, membro acadêmico da ABCA – Academia Brasileira de Ciência da Administração e da ANE – Academia Nacional de Economia. É autor dos livros “As Organizações São Morais?”, “Burnout nas Organizações”, dentre outras obras.