Quando uma organização se defronta com a necessidade de preservar numerário, a reação mais comum, em especial nestes tempos de Covid-19, é “reduzir despesas”, “eliminar custos”, “contingenciar e apertar operações”.
A pressão hierárquica, a partir da cúpula e transmitida por todos os canais de gerência e de supervisão, constrói uma ambiência organizacional restritiva do tipo “Cortem as Cabeça”, à semelhança do estilo de liderança da Rainha Vermelha em Alice no País das Maravilhas.
Os resultados financeiros avaliados, a curto prazo, pelos processos tradicionais de contabilização geralmente mostram que mais numerário pode estar sendo gerado do que se obtinha no período anterior em que a nova forma drástica de gestão ainda não havia sido aplicada. Todos na gestão ficam “alegrinhos”: “estamos conseguindo bons resultados”, “a nossa política é um sucesso”, “vamos chegar lá melhor do que pensávamos”. A interpretação usual é a de que a gestão conseguiu novamente tornar a organização lucrativa. Ledo engano!
Esta interpretação apressada é conceitual e praticamente equivocada: recursos em caixa não significam necessariamente lucro e bons resultados nos balanços contábeis.
Maior numerário pode ser obtido à custa da liquidação do patrimônio corporativo, ou seja, de seus bens tangíveis e intangíveis. E é exatamente assim que acontece em muitos programas de cortes indevidos de custos praticados por grande parte das organizações em crise.
A contabilidade tradicional não consegue avaliar os impactos de desempenho do que acontece ao capital humano das organizações — bens intangíveis — em relação às capacitações, aos níveis de dedicação e de comprometimento no trabalho, à lealdade e empenho, à dedicação na solução dos problemas, à prontidão para superar desafios, e à capacidade de busca de alternativas inovadoras face aos desafios da crise a serem superados criativamente em colaboração.
A organização pode até revelar melhor posição de caixa e sustentar a inocorrência de déficits indesejáveis, mas, certamente, reduz sua competência de operar a médio e longo prazo. O resultado, numa analogia grosseira, será o mesmo se não for feita a manutenção das instalações e do maquinário — bens tangíveis — nos níveis exigidos para a sua incolumidade operacional. É inelutável: uma ilusória vantagem de curto prazo em troca de prejuízos nos resultados financeiros de médio e de longo prazo.
Quando programas de cortes indevidos de custos são aplicados sem sensibilidade, sem a cosmovisão das complexidades corporativas das organizações formais e informais, isto é, quando a gestão adota uma atitude inflexível de “vai ou racha”, “doa a quem doer”, “tudo ou nada” é provável que passe a trilhar uma trajetória inescapável para o insucesso.
A reação costuma se processar em três dimensões, normalmente sequer percebidas pelos arautos e pelos novos missionários, quase fanatizados como cristãos novos, pela incúria dos cortes indevidos e indiscriminados de custos.
Na primeira, os colaboradores ficam ressentidos, hostis e desconfiados das intenções dos gestores. Na segunda, como resultantes da percepção de insensibilidade gerencial da direção, passam a apresentar mais reclamações, questionamentos e reivindicações do que de costume. Se o clima de medo de demissão não os permite agir assim, entra em cena com toda a potência a rádio corredor: veicula fofocas, disse me disse, intrigas, boatos e desqualificação uns dos outros, principalmente dos gestores, que passam a ser objeto de toda a sorte de pilhérias, gozações, afrontas e memes. A organização informal se fragmenta esquizofrenicamente: reduz o desempenho tanto em qualidade, quanto em quantidade.
Por último, muitos colaboradores passam a pensar em abandonar a empresa para procurar outro emprego. Afinal, essa não é mais a organização que tanto me dediquei e amei, a que doei parte substantiva de minha existência. Já não vale mais trabalhar aqui. A saída por vontade própria ou por demissão de tantos valores intangíveis contamina o valor do capital humano da empresa, reduzindo sua capacidade média de competência.
Finalmente, o resultado acumulado de incontáveis cortes indevidos de custos, a reação dos colaboradores que saem e a dos que ficam na folha de pagamentos contaminados pela desmotivação e pela quase incapacidade psicológica para contribuir como antes, redunda em considerável redução e empobrecimento de eficiência, de eficácia e de efetividade. Uma nova crise se avizinha em futuro próximo, bem mais grave e profunda, bem pior do que aquela que o falacioso programa de cortes indevidos de custos pretendera remediar: pode ser a morte clínica de mais uma corporação por falência múltipla dos órgãos a se registrar nos cartórios das falências, fusões, aquisições ou simplesmente extinções de corporações vitimadas por equívocos gerenciais de seus dirigentes.
Respeito muito essa visão pragmática do Adm. Wagner e concordo principalmente qto os aspectos intangíveis de uma redução de custos sem planejamento que resultará fatalmente, se não na falência física, mais na falência psicológica de seus empregados. Exemplo “Reforma Administrativa” do governo federal de 1990, exemplo que jamais devemos repetir que levou à falência de empregados e empresas em grandes proporções.
Muito obrigado mesmo pelos seus oportunos e bem colocados pontos colocados por você como comentários em meu artigo.
As suas reflexões enriquecem sobremaneira o meu texto.
Muito obrigado mesmo!