Administrador,
Há pouco mais de 5 anos julguei já ter esgotado a minha contribuição ao desenvolvimento do Sistema CFA/CRA-RJ como instituto representativo e instrumento organizacional de luta profissional do Administrador e da Administração. Ledo engano!
O distanciamento absoluto das lides classistas durante todo esse período me fez perceber, com muito maior nitidez, não só a mesmice em que a nossa representação profissional se enreda, mas os retrocessos, desencontros, descompassos, desvios e desarticulações atualmente praticadas por uma orientação equivocada, por uma gestão desfocada dos nossos verdadeiros interesses profissionais.
Uma orientação que se mostra completamente alienada do que a Administração se tornou em nosso País e no resto do mundo, ignorante do papel do Administrador e da sua importância e da enorme necessidade de adequação ao novo mundo do trabalho e do emprego. Isto é particularmente mais forte em nosso Estado do Rio de Janeiro, em que a miopia dos dirigentes, eleitos desde 2004, do CRA-RJ se faz sentir com muito maior dramaticidade.
O Administrador experimenta, de forma aguda neste momento de globalização, o problema de definição de seu papel e de suas funções essenciais no conjunto das profissões regulamentadas em nosso país.
O simples deslocamento de suas atribuições legais pela atualização da Lei 4769/65 em nada alterará o atual quadro de crise, de indefinições e até mesmo de perplexidade se, acima de tudo, não forem revistas as bases conceptuais e operacionais sobre as quais a profissão e as suas entidades representativas se apóiam.
Parece-me útil analisar esse papel a partir de 2 concepções básicas: uma, “desenvolvimentista”; outra, “disciplinar ou fiscalizador”. Essas concepções não se excluem mutuamente, nem excluem outras. Contudo, tal polarização facilita o exame de diferenças conceptuais significativas, das quais decorrem ênfases bastante distintas na estratégia de condução da profissão em todo o Brasil.
Creio que praticamente a totalidade dos dirigentes e lideranças da profissão a tem conduzido dentro do script “disciplinar ou fiscalizador”. Não importa quão intencional, deliberada, irreversível ou circunstancial tenha sido essa orientação. O fato é que a percepção generalizada que hoje se tem da profissão, tanto dentro de si própria, internamente, quanto para o conjunto da sociedade e no mundo das organizações, é a mesma em termos de papel e do seu nível de contribuição social, embora aqui ou ali, mas sempre assistematicamente, tenha-se tentado introduzir orientações modernizantes para a solução ou superação do velho papel social de uma profissão ainda secundária no elenco das profissões regulamentadas.
A nossa profissão ainda não aconteceu, ainda não explodiu no seio da sociedade, talvez porque insistamos em manter o velho script “disciplinar ou fiscalizador” para a profissão.
E o que é pior: no caso do Rio de Janeiro, este script é apenas publicitário, um discurso vazio, ou mero jogo de cena, pois não se concretiza em ações efetivas em busca de sua realização. Estas ações ultimamente são factóides trombeteados para iludir os incautos ou desavisados. Os resultados são pífios porque sequer a fiscalização se efetiva em toda a sua intensidade de ação, mesmo que conceptualmente equivocada.
A bem da clarificação do que pretendo postular para o Sistema CFA/CRA-RJ, é bom ficar bastante explícito que não estou minimizando a importância e mesmo a imprescindibilidade do script “disciplinar ou fiscalizador” para o fortalecimento profissional em todo o país, em especial para precatar ou prevenir a sociedade do amadorismo dos leigos ou da leviandade dos pseudo administradores travestidos de profissionais bem formados, quando, na verdade, em grande parte, advém de outras profissões que não conseguem absorver seus quadros no exercício profissional para os quais foram formados. Aliás, é preciso que a profissão aprenda a capitalizar o fracasso reiterado de profissionais oriundos de outras áreas de formação quando da invasão de nosso campo profissional. Não basta fiscalizar, mas denunciar publicamente o desastre para as organizações públicas e particulares que se metem a entregar as funções do Administrador a profissionais leigos, despreparados e amadores. O fracasso deles deve ser o exemplo para a contratação dos verdadeiros profissionais de administração. O único amador que deu certo no Brasil foi o Amador Aguiar, fundador do BRADESCO, lembro isso apenas para se repetir mais um lugar comum tão em voga em nosso país.
O papel disciplinar ou fiscalizador das entidades da profissão são fundamentais, tanto no interesse da própria profissão quanto para o conjunto da sociedade e das organizações em geral. A ação disciplinadora e fiscalizadora do exercício profissional do administrador deve ser fortalecida, enriquecida e estimulada. No entanto, o novo espaço social da profissão é bem mais amplo e generoso. Não se esgota com as eventuais conquistas e vitórias decorrentes da ação fiscalizadora e disciplinar. É o espaço voltado da contribuição da profissão ao desenvolvimento do País, da sociedade em geral e, especificamente, das organizações públicas e privadas na construção do desenvolvimento.
Dentre as reflexões que o papel “disciplinar ou fiscalizador” me evoca, destaco:
a) A dificuldade crescente que o contexto brasileiro, cada vez mais orientado para a consolidação democrática e sensível aos eflúvios da globalização, apresenta para a orientação de desenvolvimento de uma profissão fundamentada na restrição e no disciplinamento, que muitas vezes passa a ser percebida como corporativista, autoritária e dissociada da nova realidade mundial de globalização e da sociedade do conhecimento e da trajetória migratória dos profissionais bem sucedidos, que militam por uma miríade diferenciada de funções atípicas ao longo da vida.
A ênfase disciplinar ou fiscalizadora em si mesma se contrapõe, evidentemente, aos compromissos sociais de uma profissão vocacionada para a participação, a voz, a democracia. Vem de encontro à realidade do fim do emprego, à realidade da desregulamentação profissional e à realidade da livre circulação profissional imposta pela implantação dos novos paradigmas da globalização e da mundialização da economia.
E o que é pior: a fúria fiscalizadora e disciplinar do Sistema CFA/CRA-RJ se dirige apenas contra o Administrador inadimplente, que se encontra em tal situação muitas vezes por falta de emprego ou por baixa remuneração ou ainda porque, fora a obrigação legal que ele sabe existir, não encontra nenhuma outra razão para pagar a anuidade, já que não vê esses recursos transformados em serviços para a defesa da profissão, nem voltados para ele como profissional para a sua colocação no mercado de trabalho ou crescimento profissional, nem aplicados para a melhoria de sua vida pessoal e de sua família.
O Sistema CFA/CRA-RJ não se contrapõe aos leigos, contra os que indevidamente ocupam os nossos espaços profissionais, não abre campos no mercado de trabalho, mas com sua ação equivocada e insensível massacra ainda mais o profissional a quem deveria proteger.
Ao Administrador bem empregado, o Sistema CFA/CRA-RJ objetiva apenas arrecadar anuidades, sem qualquer contraprestação de serviços, sem nenhuma agregação de valor, o que transforma as nossas entidades em verdadeiras máquinas arrecadadoras e aos seus conselheiros meros freqüentadores de reuniões, seminários, congressos, convescotes que apenas lhes granjeiam pessoalmente prestígio e notoriedade, sem qualquer contrapartida relevante para a profissão e para o Administrador-contribuinte.
b) A possibilidade bem considerável de se entrar num “beco sem saída”, mesmo compreendendo que a cultura corporativista de nosso país é uma realidade de difícil superação, haja vista a nossa base social centrada no cartorialismo, no patrimonialismo, no bacharelismo e na estratificação social.
Não pode disseminar-se no coletivo da profissão a noção deformada de que “a teoria na prática é diferente” ou “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”: “vamos defender a desregulamentação profissional, mas apenas para os outros e não para nós próprios”. “Vamos apoiar a extinção dos cartórios, mas, é claro, é preciso manter os nossos”.
Tal discrepância ou gap entre o falar e o agir, entre a intenção e o gesto, talvez esteja contribuindo para que o Administrador ainda não esteja exercendo um relevante papel social no seio da sociedade e no mundo das organizações.
c) Uma concepção excessivamente “disciplinar ou fiscalizadora”, como a que ora se adota de forma prevalecente, tem conduzido a gestão das entidades da profissão à ditadura dos processos em prejuízo dos fins e à perda dos objetivos e funções prioritárias, com ênfase ainda maior no formalismo jurisdicista e no corporativismo equivocado, a despeito dos interesses mais relevantes da sociedade.
À semelhança do futebol inobjetivo, o Sistema CFA/CRA-RJ também tem se confinado à ênfase desfocada do jogo-de-meio-campo e não na busca obsessiva do gol e da vitória, que se concretiza superiormente na realização dos interesses da profissão e do Administrador.
Qual é a verdadeira contribuição social do Administrador? Qual é a nossa missão? Qual é o nosso negócio? Para onde precisamos ir? O que somos capazes de fazer e não o que fizemos até agora? As respostas a essas questões nos darão as diretrizes estratégicas a seguir.
d) Ao lado de medidas imediatas de recuperação e construção de imagem da profissão, que terão efeitos políticos e psicológicos importantes, é preciso encarar também outros impasses e tabus que precisam ser superados, adotando medidas que requerem longo ciclo de maturação de resultados.
É preciso ser radical – não confundir radicalismo com obtusidade, mas ir às raízes dos problemas, com o objetivo de tirar deles o maior proveito.
De início, é preciso que se compreenda que a realização apenas de seminários e congressos, por mais bem sucedidos que sejam, não esgota a contribuição de uma profissão. Podem até por algum tempo fazer algum barulho na mídia, granjear os famosos 15 minutos de fama para uns poucos conselheiros. No entanto, pouco a pouco, como um bumerangue, ações e atividades dissociadas de uma concepção mais ampla do que deva ser a profissão acabam por minar a credibilidade do Administrador, se não houver uma contrapartida de benefícios tangíveis, concretos e reais que justifiquem a sua adoção.
Deformações de imagem são inevitáveis junto ao próprio público interno da profissão e ao conjunto da sociedade, quando eventos “déjà vu” se realizam, granjeando uma percepção equivocada de nosso sistema como CFAtur ou CRAtur. É preciso uma profunda reflexão do Sistema CFA/CRA-RJ sobre a finalidade, qualidade, oportunidade e pertinência de cada um dos congressos e seminários nacionais e internacionais que realiza ou patrocina. Que ações e benefícios concretos se extraem de sua participação?
Talvez seja recomendável contingenciar receitas do CFA/CRA-RJ para a realização de eventos culturais da profissão que, por sua abrangência e profundidade, garantam repercussão junto à opinião dos atores sociais relevantes, imprensa, mundo universitário, sociedade e organizações empresariais. Jamais para eventos de badalação ou meras desculpas para viagens de conselheiros financiadas com as anuidades pagas pelos Administradores.
O papel do Sistema CFA/CRA-RJ perante a sociedade é difuso, impreciso e mesmo omisso no que tange aos avanços deferidos, por exemplo, pela então Lei nº 9649/98, já revogada, de reorganização dos Conselhos Profissionais. É preciso a definição de políticas, diretrizes e ações a serem implementadas a curto, médio e longo prazos com o objetivo de definir claramente o novo papel da profissão e do seu Sistema CFA/CRA-RJ junto à sociedade e às organizações. Por exemplo, as organizações que compõem o Sistema CFA/CRA-RJ não têm qualquer imagem de instituição prestadora de serviços ou centro irradiador e difusor do conhecimento no campo da administração. Isto certamente nos conduz a um excesso de timidez na celebração de convênios de cooperação técnica, científica e financeira com organismos nacionais e internacionais destinados a promover o intercâmbio de experiências e de informações, o aperfeiçoamento contínuo dos conhecimentos para a melhoria da qualidade do ensino e da prática da administração no país e o desenvolvimento institucional requeridos pelo mercado de trabalho e a globalização.
Neste momento, vale a pena perguntar se não seria oportuno, sem renunciar às conquistas já conseguidas, reformular a estratégia de direção do Sistema CFA/CRA-RJ para um papel marcadamente “desenvolvimentista”, orientado para a afirmação do Administrador como categoria profissional relevante no seio da sociedade e no mundo das organizações.
Dentre as reflexões que o papel “desenvolvimentista” me evoca, destaco:
a) A oportunidade que o momento atual se nos apresenta, propiciando ao Administrador desempenho de um papel social que ainda não foi assumido por nenhum das outras profissões que, em cada momento histórico, têm desempenhado papel relevante na sociedade brasileira – advogados, engenheiros, militares e economistas.
b) A melhor forma de desvencilhar-se do labirinto em que o Sistema CFA/CRA-RJ se meteu, ao cuidar quase exclusiva e supletivamente de funções legalistas relacionadas aos direitos e deveres do profissional: a linha “desenvolvimentista” abrirá frentes mais prováveis de sucesso, as quais poderão servir de contrapeso às dificuldades inerentes que a fiscalização do exercício profissional apresenta para o Sistema CFA/CRA-RJ.
c) A oportunidade de se aprofundar um relacionamento positivo, descontaminado e colaborativo com o universo acadêmico, com o mundo das organizações empresariais e com as demais representações profissionais, ao invés de depender apenas de um Judiciário sensível às pressões de toda sorte, o que, muitas vezes prejudica não só os nossos interesses específicos como os da sociedade, que a regulamentação de nossa profissão pretende proteger.
d) A possibilidade de acionar medidas, programas, projetos e atividades com resultados imediatos, que permitam creditar rapidamente pontos para a imagem e a contribuição profissional do Administrador.
A opção generalizada das entidades do Sistema CFA/CRA-RJ tem sido pela orientação “disciplinar ou fiscalizadora”, pela exclusão da linha “desenvolvimentista” – se não consciente ou declaradamente, mas de fato, tal a ênfase que a linha soit disant “corporativa” tem tido de atuação de nossos Conselhos.
Creio que a opção deva ser outra: não a inversa, com a exclusão da “disciplinar ou fiscalizadora” – o que seria inviável e indesejável – mas a primazia do papel “desenvolvimentista” e a desenfatização progressiva da orientação fiscalizadora que, aliás, deve se voltar prioritariamente contra o leigo e apenas secundariamente para o administrador inadimplente ou ainda não registrado, que deve ser atraído positivamente à participação ativa e interessada.
À guisa de síntese, sem pretender obviamente esgotar a discussão, apresento a seguir algumas outras direções estratégicas que, a meu ver, devam ser adotadas pelo Sistema CFA/CRA-RJ de imediato
(serão publicadas a partir de postagens a seguir)
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