Nos últimos anos tenho participado bastante de palestras e de debates sobre inovação e mudança, e sempre demandado nessas ocasiões pelos desafios, complexidades e perplexidades da Inteligência Artificial (IA) no novo mundo das organizações e no universo da sociedade. O público participante em geral é constituído de executivos, gerentes, profissionais de Administração, estudantes e de interessados em gestão e áreas conexas. O mais das vezes, trocamos conhecimentos e incertezas também com estudantes, profissionais e professores dos cursos técnicos em administração em nível médio, e, não raro, até mesmo com estudantes de colégios em nível fundamental.

O que mais me surpreende nesses distintos públicos e audiências é que, constantemente, suscitam as mesmas indagações, dúvidas e reflexões, como se todos tivessem combinado entre si os mesmos pontos a destacar. Por exemplo:  Será que teremos professores-robôs em futuro próximo ?  Será que nos casaremos com robôs e poderemos até ter filhos com eles?  Quais as consequências judiciais se um carro-robô se acidentar, provocando vítimas em humanos?  Os computadores serão capazes de dirigir as organizações, subordinando os humanos a seu comando irrestrito.  Se os computadores serão capazes de fazer tudo, o que restará para os seres humanos?

Questionamentos assim colocam a IA em destaque sem precedentes no elenco de nossas preocupações, independentemente da posição em que nos coloquemos. É hoje o ponto-comum de todos em quaisquer extratos ou estamentos sociais. Não era assim até poucos anos, pois se restringia a ser um tema de atenção circunscrito exclusivamente ‘as pesquisas acadêmicas, aos círculos de especialistas,  literaturas e aos filmes de ficção cientifica.


O cidadão médio podia ter alguma percepção de que a IA poderia construir robôs capazes de pensar e de trabalhar em lugar do homem em atividades simples, mas quase não haveria conexão estreita entre o que se estava prestes a produzir e a plenitude do cotidiano da vida das pessoas. Hoje tudo mudou. Não se fala em outra coisa. É tema em discussão em quaisquer dimensões da vida humana, na família e no trabalho, na academia e na imprensa, nas mídias sociais, na saúde e na doença, no lazer e no entretenimento. Somos todos bombardeados por uma pletora de informações em tempo integral. Mas, apesar de invadidos por todo o tipo de questões, ainda não dispomos de respostas à altura, capazes de contrabalançar as ilusões de um pensamente ingênuo, que antevê maravilhas, e as preocupações catastróficas, que nos colocam diante de um cenário imprevisível de desumanização da humanidade.

O que a IA significará para os nossos empregos e para a plenitude da realização humana? Quais as suas consequências no sentido da vida e na construção de nossos destinos? Todos queremos saber que nações serão capazes de se beneficiar efetivamente da utilização real e plena do que se julgava ser apenas delírios da ficção cientifica dos Séculos XIX e XX? Será que a IA conseguirá garantir ‘a humanidade uma vida material em abundância? Haverá espaço para o ser humano num mundo capitaneado pelas máquinas inteligentes?

Ninguém dispõe, no momento, de bola de cristal para revelar respostas a tantos questionamentos, dúvidas e perplexidades. Mas é preciso aprofundar o estudo no núcleo central dessas incertezas para garantir ao homem sua inteireza humana. Os debates, a compreensão e a revelação da narrativa da IA na história do homem não é nada simples. Não se trata da história das máquinas como ocorrido nos estudos da Primeira Revolução Industrial. Pela IA vivemos uma nova construção da própria história humana em si, o que nos permitirá ou não dispor de liberdade e da vontade, de fazer ou não as nossas próprias escolhas , de conformar ou não o nosso próprio destino. O futuro da IA será construído por nós, pelas decisões que hoje tomamos ou não, e pelas ações que agora empreendemos ou não. É preciso abandonar os velhos conceitos e verdades estabelecidas.

Mais do que nunca temos de superar e enterrar o velho para que o novo possa nascer em plenitude. Valho-me, em conclusão, de reflexões de Yuval Noah, em 21 Lições para o Século XXI, que nos desafia à compreensão dos tempos presentes: “ a tarefa de criar uma narrativa atualizada para o mundo. Assim como as convulsões da Revolução Industrial deram origem ‘as novas ideologias do Século XX, as próximas revoluções da biotecnologia e na tecnologia das informações exigirão novas visões e conceitos. As próximas décadas serão, portanto, caracterizadas por um intenso exame de consciência e pela formulação de novos modelos sociais e políticos. Será  o liberalismo capaz de se reinventar mais uma vez, como na esteira das crises das décadas de 1930 e 1960, e emergir ainda mais atraente? Será que a religião e o nacionalismo tradicionais são capazes de oferecer as respostas…….ou será o momento de romper totalmente com o passado e criar uma narrativa completamente nova que vá,  além não só dos antigos deuses e nações, mas até mesmo dos valores modernos centrais de liberdade e igualdade. Ainda estamos no momento niilista de desilusão e raiva, depois da perda da fé nas narrativas antigas, mas antes da aceitação de uma nova. ……….A verdade é que eu não compreendo o que está acontecendo no mundo.”