Por uma curiosa e lastimável aberração de mentalidade, nós, brasileiros, tendemos a ver o antigo não como algo respeitável a preservar e aperfeiçoar, mas sim como “velharia” a destruir e esquecer. Aí está para prová‑lo a destruição física, por demolições apenas tentadas ou levadas a termo, de tantos dos monumentos tombados como patrimônio histórico, artístico e cultural de nosso povo. O Brasil é um país que não tem memória, não valoriza as suas manifestações culturais e se coloca em atitude subserviente ante às miçangas do desempenho tecnológico de nações ditas desenvolvidas. O servilismo cultural, científico e tecnológico das elites brasileiras serve‑nos como um nítido indicador de nosso subdesenvolvimento enquanto nação, resultado e preço da nossa omissão, falta de consciência e valorização daquilo que possuímos. Uma sociedade que não respeita o passado não pode ter presente e está comprometendo o seu futuro – e o seu próprio destino -, condenando‑se eternamente ao berço esplêndido daquilo que poderia ser, mas que nunca será.

Esse lamentável equívoco ocorre também em relação a instituições sérias e organizações importantes na vida e na história da sociedade brasileira, mesmo quando ainda podem continuar prestando relevantes serviços ao país.

A forma brutal como a economia se desvencilha de empresas, sob a alegação de que “a falência purifica”, e a inexistência de um modelo de gestão pública coerente e explicitado são fatores aleatórios que determinam a vida e a morte das organizações, tudo sempre ao sabor das circunstâncias do momento ou dos caprichos dos poderosos de plantão.

Convivemos com conceitos e modelos administrativos, organizacionais e político-­institucionais importados, mesmo quando grande parte deles já está superada em seus países de origem. É o caso, por exemplo, de pacotes de treinamento de recursos humanos já em desuso nos Estados Unidos, de critérios educacionais obsoletos na França ou de processos eleitorais caducos em diversos países e que aqui, entretanto, são badalados como o dernier cri do servilismo intelectual. Um outro exemplo é o dos modelos de organização empresarial, de administração pública, de gestão governamental e de ensino superior, que, embora úteis e atuais nas sociedades estrangeiras que os geraram – mas nada tendo a ver com nossa realidade sócio‑econômica, os padrões culturais e a mentalidade do brasileiro médio -, passam a constituir verdadeiras camisas‑de‑força ao serem implantados e desenvolvidos entre nós, emperrando a explosão das potencialidades organizacionais, institucionais e políticas genuinamente nacionais, só assim capazes, na verdade, de enfrentar problemas especificamente brasileiros.

A reboque da proliferação das faculdades de Administração, implementou‑se um modismo de currículos acadêmicos mirabolantes: tecnocratizantes, matematizantes, calcadas na econometria comportamental. Tais currículos impõem fórmulas prévias, receitas de bolo estranhas à nossa realidade, que apassivam a indagação intelectual do estudante, conduzindo‑o à repetição acrítica de técnicas e à aplicação desnorteada de conceitos irrelevantes

Nossa cultura organizacional é ainda uma verdadeira colcha de retalhos Em todas as áreas, quer a nível de organização empresarial, quer na administração pública ou mesmo em termos de instituições políticas, jurídicas e eleitorais, permanecem ainda, ranços e anacrônicos, traços coloniais e imperiais – o autocratismo, a negação do federalismo, a castração do municipaIismo e a violação da cidadania. Os casuísmos políticos e administrativos estão aí mesmo a demonstrá‑los O “jeitinho” é a forma institucionalizada de o brasileiro fugir às normas e regras gerais, utilizando sempre o casuísmo em seu benefício: “para os amigos, tudo; para os inimigos, nada; para os indiferentes, a lei”.

Tudo isso são generalidades com que todos certamente concordam, mas que poucos se animam a transformar. E importante não esquecer que, nestes tempos de grave crise, de agonia do autoritarismo, dos estertores da arrogância tecnocrática, do renascer das esperanças de reconstrução democrática, a empresa brasileira tem uma enorme contribuição a oferecer ao país, dependendo da postura predominante que assuma face ao alucinante processo de transformação social que a todos envolve. A humanização da empresa, em bases que resgatem a condição da pessoa humana e que façam da atividade empresarial não apenas algo lucrativo e espoliador, mas uma maneira racional de ensejar a organização dos indivíduos, de modo a facilitar‑lhes a vida enquanto sociedade, passa a ser a determinante essencial do fortalecimento do caráter nacional e da preservação da nossa cultura.

O restabelecimento do enfoque humanista na atividade empresarial e a preservação da tradição histórica de nosso povo, cada vez menos humanista e cada vez mais desarraigado de seus valores culturais, são compromissos sociais que não podem ser olvidados ou lançados à vala comum, ao entulho dos monumentos demolidos da memória nacional em nome de um pseudo progresso.