A polarização politica se exacerba quando posições divergentes extremadas se distanciam ao ponto de um lado se aproximar do outro, como se fossem os opostos de uma ferradura: o discurso e a prática de um se tornam o contraponto análogo do outro. Ambos passam a dizer e a fazer o mesmo, julgando-se absolutamente distintos. Os mesmos argumentos e justificativas são apresentados até mesmo para explicar malfeitos de seus líderes e seguidores.

A democracia entra em colapso se não se reconhece que os adversários políticos têm o mesmo direito de existir, conviver, disputar o poder, afirmar seus conceitos e propostas. Significa também que todos rejeitem ações que, embora respeitem a letra fria da lei, violem seu espírito. A democracia precisa de líderes que aceitem os adversários como legítimos, e, mais ainda, conheçam e respeitem as regras informais , posturas e atitudes contrárias, mesmo que não concordem com elas. Não é possível participar do jogo democrático ao desqualificar um adversário como ilegítimo apenas por aquilo que ele pensa.

O totalitarismo ostensivo, a ditadura explícita, quase desapareceu neste primeiro quartel do Século XXI. O colapso da democracia começa hoje nas urnas, não mais nas baionetas dos generais, mas de líderes eleitos. A via eleitoral para o colapso da democracia é dissimulada, não percebida, disfarçada. São ilustrativos os casos de Chaves na Venezuela, de Erdogan na Turquia, de Putin na Rússia, de Daniel Ortega na Nicarágua, de Fujimore no Peru. Golpes militares e tomadas de poder são raros. Os totalitários eleitos mantém uma fachada de democracia enquanto corroem a essência de suas instituições.

O paradoxo trágico da via eleitoral para o totalitarismo e’ que os assassinos da democracia se valem das próprias instituições vigentes , de forma sutil, gradual e legal para corrompê-las e destruí-las. O colapso democrático atinge seu ponto de ruptura pela via da polarização extrema de um País. Infelizmente, eis a direção equivocada da trajetória histórica que o Brasil assume nos últimos anos.

As experiências de muitos países nos ensinam que a polarização e’ capaz de colapsar a democracia. Mas as experiências internacionais também nos comprovam que a senda da desgraça democrática pode ser evitada e tornada reversível por intermédio da negociação e do entendimento, da coalizão entre as partes, da relação ganha-ganha, do pacto firmado com o foco no bem comum.

Mesmo quando o animo e as reações populares sejam a favor de posições extremistas, antagônicas e polarizadas, é absolutamente estratégico compreender os papéis e funções dos partidos políticos, das instituições democráticas do legislativo, do executivo, do judiciário e da sociedade organizada como redes de proteção ou filtros de reversão desse processo deletério. Só se sai da polarização pela via da negociação democrática, pelo aumento da participação politica, pela institucionalização ainda maior da democracia.